07 dezembro 2020

Woody Allen visita a Sagrada Colina do Bonfim, na Bahia.

Sempre estoico e diligente, jamais sorumbático ou macambúzio, invariavelmente lépido, fagueiro, viril e altaneiro, dirijo-me no rumo da sagrada colina do Bonfim trajando brancas vestes como pede a última sexta-feira do mês aqui em Soterópolis, na Bahia. Envergando inconsútil túnica, lá vou eu para a igreja agradecer graças alcançadas a Nosso Senhor do Bonfim, Oxalá, nosso pai maior. Mal começo a subida, ouço às minhas costas alguém gritar meu nome: "Paulôôôôu!" Meu apurado ouvido de globetrotter e cidadão do Mundo experimentado reconhece o sotaque de Manhattan. Mas não reconheço a figura que me apela envergando caro e classudo chapéu panamá, uma medida do Bonfim no pulso esquerdo. Aproximo-me. Aquela tez alva, aquelas sardas no rosto, aquele cabelo ralo, os óculos fundo-de-garrafa não deixam margens a qualquer engano: é Woody Allen. Meses atrás eu estivera em NY e lá estando fui ao Café Carlyle, no Lower East Side, ver uma apresentação de Woody Allen and his New Orleans Jazz Band. No final, um produtor musical, amigo em comum, nos apresentou. A empatia foi mútua, conversamos e rimos muito. Ele então me disse que planejava visitar a Bahia quando arrumasse tempo para tal. Este dia chegou mais rápido do que eu pensava e agora lá está ele em carne (pouca e pálida) e osso (muito) ao lado de sua bela amada coreana, Soon-Yi, que vem a ser uma enteada de Mia Farrow - ex-Sinatra e André Previn - ficando a sino-girl famosa por ter sido um dos vértices do amplamente divulgado triângulo amoroso Woody-Soon-Yi-Mia Farrow. Mia, a despeito de ser uma celebridade, atriz afamada, reconhecida por ser pessoa de atitudes humanitárias autênticas e uma mulher vivida, ao fuçar qual uma noiva neurótica e nervosa, os intocáveis guardados do seu sagrado marido, acabou por descobrir que fora passada para trás. Aí armou um barraco sem precedentes, de deixar as maiores barraqueiras do subúrbio baiano de queixo caído. Minhas amigas me odiarão por isto mas, constatando de perto, estou mais que certo que o dito tímido Woody saiu ganhando amplamente ao trocar a barracante branquela por esta sílfide de tez levemente amarelada e oloroso hálito. Conversar com um intelectual brilhante como Woody Allen exige do interlocutor uma inteligência acima da média, que não tenho, conhecer filósofos e autores diversos. O homem é cineasta aclamado, ator, escritor e intelectual respeitado. Quanto a mim, tudo que sei sobre Proust é que ele vivia chegando atrasado aos compromissos, sempre correndo atrás do tempo perdido. De Goethe, que ele teve a luz cortada por falta de pagamento no fim da vida e pedia aos berros: "Luz, mais luz!". Se ao meu lado ouço alguém pronunciar "Nietzsche", digo logo: "Saúde!" Ainda bem que como soteropolitano tenho lá minhas manhas e quando Soon-Yi vira-se para olhar uns balangandãs, uns panos-da-costa e um sarado negão do Olodum, eu, com um ar vitorioso e com um incontível orgulho lanço não uma, mas duas indagações assaz pertinentes to my pal: "Woody, buddy, aqui entre nós... é mesmo verdade que as mulheres asiáticas, em pé estando, têm a perereca na horizontal?". "Em assim sendo, é fato que ao descerem nuas por um corrimão a sino-perereca emite ruídos tais como tchup!tchup!tchup!tchup!?" Ahá! Aposto que ele não esperava que eu enveredasse por assuntos tão relevantes e de tais grandezas e profundidades. Posso não ser um elevado intelectual mas sei que a humanidade tem dúvidas eternas que desde os primórdios a atormenta, tais como "Quem somos?" "De onde viemos?" "Para onde vamos?", além dessas duas questões que tasquei em cima do meu bom amigo judaico. Ele principia a articular resposta quando uma buzina o interrompe. É a limousine que vem apanhá-lo. De dentro desce um chouffeur a caráter que abre a porta do veículo de onde salta um alucinado agente que, dizendo "We are late!", empurra o casal para o interior da limo. De lá, a bela Soon-Yi e o nada belo Woody me acenam um "So long", um pouco constrangidos pela repentina saída . O luxuoso veículo dá a partida e segue voando. E eu, ao pé da colina sagrada, me quedo sem ter mais uma vez as respostas que deslindariam para mim dois dos mais antigos e intrigantes mistérios da Humanidade.
(040213)

28 novembro 2020

La Marijuana e seus efeitos benéficos e milacurosos sobre La Cucaracha adicta.

Tradicional, lúdica, assaz alegre, a canção popular mexicana La cucaracha, cuja letra aborda os percalços existenciais de uma barata coxa, é antiquiquiquiquíssima, sendo cantada mui provavelmente desde antes de la Revolución Mexicana. Pela simplicidade e tom lúdico de sua letra e pela alegria contagiante da melodia, a tal barata tornou-se mundialmente tão famosa quanto sua colega kafkaniana - ou kaftaniana, como diria certo apócrifo ministro da educação de um (des)governo de certo país cheio de equívocos - e esta singela canção logrou converter-se em patrimônio cultural da humanidade. Assim como a canção cubana Guantanamera, ela tem variadas letras que se encaixam numa mesma melodia e algumas versões remontam aos tempos de Pancho Villa e Zapata. Uma delas é essa que os bravos rapazes do Kumbia Kings Brown Jr. gravaram. Como o assunto é palpitante e de largo interesse popular, coloco de quebra a versão feita por aquele que mostra ser um legítimo sucessor de Miguel Aceves Mejia, quiçá um seguidor dos passos de de Chavela Vargas, el gran cantante Mario Baez, sendo que, com ligeiras variações, ambas as letras falam em marijuana, coisa seguramente mais antiga e popular que a popularíssima e contagiante canção, e que, segundo os aficionados, não dá cucaracha, digo, não dá barata, mas dá o maior barato. Se bem que se a gente ouve com a devida seriedade, percebemos nas entrelinhas contidas na letra dessa versão que, em verdade, ela traz em si nobres intenções e edificantes propósitos pois preconiza o uso medicinal da planta cientificamente conhecida pelo nome de cannabis sativa, nos dando conta de que a cucaracha é deficiente, sim, mas só não pode caminhar apenasmente porque lhe falta la marijuana pra fumar, de onde se deduz que, fazendo uso medicinal da planta, a deficiente cucarachita pode sair por aí lépida e fagueira e até mandar ver numa dança mariachi sendo, portanto, um santíssimo remédio, uma inquestionável panaceia. De qualquer forma, a prudência alerta para que ouçam a música com moderação, pois  os mais afoitos podem se viciar.
(020616)

26 novembro 2020

Retratando Antonio Conselheiro.

Há desenhistas que arrancam as próprias melenas, às vezes até bem raras, em busca de um estilo pessoal que seja passível de reconhecimento como se dá com sua escrita, cujo modo de delinear as letras as pessoas identificam de pronto. Não foi este o caminho que busquei na minha senda de ilustrador, vez que adoro mudar sempre que possível e o mais que puder, tentar novos rumos, novas linguagens, novas técnicas, buscando fugir da mesmice, de repetitivas soluções gráficas, dos maneirimos, do que é rotineiro. Para mim, fazer a mesma coisa em nome de um estilo pode se tornar algo previsível e mesmo cansativo, desestimulante. Sinto-me mais motivado mudando sempre que possível - geminiano sou - em eterno desafio, tentando surpreender positivamente o público leitor e até mesmo a mim próprio. Nestes retratos de Antonio Conselheiro intentei buscar duas alternativas, dois enfoques diversos. Em uma almejei criar um impacto mostrando em close as marcantes feições de um sertanejo atingido por graves e injustas perseguições que findaram por tirar-lhe a vida. Para tal, utilizei sobre papel ofício uma experimental bisnaga de tinta negra, destas para pintar paredes. Foi uma meleira completa, mas o resultado final me agradou. Na outra, mais clean, usando tinta acrílica fui em busca de um clima semelhante mas agora almejando situar o personagem no seu hábitat recortado por um céu digno de um glauberrochístico filme. Um pincel na mão e uma ideia fixa na cabeça.
(151114)

24 novembro 2020

O sexo e os portugueses ou Fornicar é preciso / U sexu nu mundo 1

Em Portugal o rigoroso inverno de frio cortante muitas vezes impede que a mulher portuguesa faça o devido asseio pessoal, inclusive o íntimo. Aí a coisa fica assaz periculosa, acuda-nos Nosso Senhor do Bonfim, valha-nos Nossa Senhora do Rosário de Fátima pois, em tais casos e em casos que tais,
 das lusas genitálias femininas desprende-se um forte e inevitável odor de bacalhau o que, em verdade, não é privilégio das cachopas e das balzaquianas lusitanas, vez que a natureza humana tem seus irrevogáveis ditames, podendo isto acontecer com qualquer mulher de qualquer parte do mundo que passar um longo período sem lavar o objeto de desejo dos machos da espécie desde o Éden. O grande diferencial está em que se para nós, brasileiros, o tal odor se configura em fator brochante e nada convidativo, para os bravos rapazes lusitanos isto até instiga o apetite sexual pois sabido é o quanto os portugueses adoram comer um bom bacalhau, não dispensam esse acepipe por nada e caem de boca vorazmente quando veem um à sua frente, ora pois, pois. É voz corrente - seja verdade ou maldoso e infundado boato - que o maior problema lá nas terras de Camões e da pessoa de Pessoa é que em grande parte as mulheres ostentam buços tão compridos que são verdadeiros bigodes e, reza a lenda, os bigodes das Marias costumam ser maiores que os bigodes dos Manuéis e Joaquins. Como é muito difícil habituar-se a tal coisa, os gajos portugueses vivem tomando enormes sustos todas as manhãs, ao acordar, abrir os olhos e dar de cara com a cara de sua bigoduda companheira, ai, meu Jesus!, ai, meu padroeiro São Jorge! 
Em todo mundo é cantada em verso e prosa a bravura dos argonautas portugueses, seu arrojo, intrepidez, determinação e coragem diante dos mares bravios e procelosos em tempos das grandes navegações. Mas nos livros, compêndios e almanaques deste planeta não é creditada aos intimoratos lusitanos nenhuma das grandes invenções em prol da Humanidade tais como o automóvel, o telefone, a televisão, o laser, a informática e as calcinhas comestíveis. Tremenda injustiça e falta de reconhecimento para com os gajos lusos já que eles são os responsáveis por uma das mais espetaculares invenções para a raça humana: a mulata brasileira, Ôba, Ôba! Graças à incomensurável libido dos homens portugueses, incontrolável diante das abundâncias carnais das negras amas e mucamas desde o tempo da colonização, é que surgiu esta nova raça superior, a das mulatas sestrosas. Se por um lado a mulata é gostosa, por outro é mais gostosa ainda. O mundo já girou e girou muito desde os tempos coloniais, mas até hoje muitos brazucas ressentidos vivem se queixando que por séculos os lusitanos com suas naus surrupiaram para a corte d'Além Mar quase todo o ouro do Brasil. Para nossa sorte, como as naus saíam das costas brasileiras sobrecarregadas com o precioso metal, os portugas - contra a vontade e mui melancolicamente - viram-se obrigados a abrir mão das preciosas mulatas, deixando-as todas aqui sem imaginar que desta forma nós, brazucas, é que ficaríamos no lucro. Aquela preocupante crise econômica ocorrida há já algum tempo em Portugal é prova incontestável disto, vez que revelou que todo ouro que nos tomaram já se acabou por lá, foi pras cucuias. Em compensação, aqui no Brasil ostentamos por milionário patrimônio uma fartura em mulatas maravilhosas que com suas exuberâncias, reentrâncias e abundâncias valem mais que todo ouro do mundo, ó pá!
(121010)

02 novembro 2020

Homens é que sois.

"Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!“ —  Charlie Chaplin             



Perfil de moça com brinco e colar

 Ao ilustrar e pintar sou um eterno amante das variações, buscas, experimentações. Sempre intento variar,  produzir em técnicas diversificadas. Assim, enquanto tento driblar a rotina e a mesmice, procuro alcançar resultados que possam enriquecer as ilustrações e valorizar textos ou postagens em que se insiram. Com persistência e alguma sorte é possível conseguir-se bons resultados que compensam os esforços dispendidos.                                           "Perfil de moça com brinco e colar"/                                       Técnica mista/


30 outubro 2020

Michelle Obama, Melania Trump e a grave crise sexual entre as mulheres norte-americanas .

Para os homens americanos, desejo carnal incontrolável significa tão somente aquela irresistível compulsão que os leva a devorar montanhas de suculentos hambúrgueres. Suas ianques esposas é que não  aprovam nem um pouquinho esta preferência carnal demonstrada pelos ianques maridos. E elas vão mais além nas suas queixas, reclamando do fato de que, integrando seus poderosos exércitos, os homens norte-americanos vivem invadindo tudo que é lugar mundo afora e que só não invadem mesmo as Ilhas Virgens nem o Cusaquistão de suas carentes esposas, seja por ataques frontais, seja pelas retaguardas xurriadas lá delas, o que as deixam qual o aracnídeante Peter Parker, subindo pelas paredes do Empire State Building. Imperioso se faz dizer que os apoteóticos e bem sucedidos atentados aos EUA ocorridos naquele fatídico setembro de 2001, mergulharam os filhos do Tio Sam num mar de paranoias, estresses diversos e impotência brochativa generalizada. Com tanta fobia, nem com reza braba os americanos  estão conseguindo fazer o pentágono endurecer. A população, durante a era Obama, andava vendo a coisa preta, menos a primeira-dama Michelle que pelos corredores da Casa Branca circulava reclamando de forma histérica que seu marido, Barack, nunca mais havia adentrado seu Salão Oval, nem comparecia ao Cupitólio. Já a atual primeira-dama, Melania Trump, não vem dando. Não vem dando ao seu quase marido, Donald Trump, nem a ousadia de pegar em sua suave mãozinha em solenidades oficiais, quanto mais permitir a ele ter um rala-e-rola, um vuco-vuco, um nheco-nheco, um lepo-lepo, não liberando ao topetudo a possibilidade de dar um tapa na aranha, fazer ousadia, molhar o biscoito, afogar o ganso, nem muito menos fazer the old and popular tchaca-tchaca-in the butchaca. Quando tenta penetrar na alcova, Trump ouve de Melania que ela não admite penetrações da parte dele, e em seguida a loura lhe grita um sonoro “You’re fired!”. Depois disso, Trump ainda tenta ser Republicano, mas a mulher não se mostra nem um pouquinho Liberal, revelando para ele a sua total rejeição popular. O ex-apresentador, ex-empresário, ex-poliador e ex-croto Presidente, se exaspera e, de tanta raiva, fica todo vermelho, uma cor que não fica nada bem para um presidente ianque de extrema-direita como ele é. Donald Trump, babando de ódio, diz a Melania que vai apontar para ela seu míssil de longo alcance, o que só piora a situação, pois a quase esposa, dando uma estrondosa gargalhada, diz que o tal míssil não passa de uma pistolinha de cano curto. Ainda por cima, descarregada. E que, além do mais, Trump e o norte-coreano Kim Jong-un estão dando muuuito na pinta com esse negócio de a todo instante dizer um pro outro que “meu míssil é maior que o seu”, “ah, é?!, pois o meu é mais potente que o seu!”, “mostra o seu que eu mostro o meu” e coisas realmente muito bandeirosas que estão fazendo aumentar as paranóias dos ianques e assombrando o mundo inteiro. Comenta-se que ONGs feministas americanas, preocupadas com o Produto Interno Bruto, estão importando carregamentos de rapazes latino-americanos sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes, vindos do exterior dispostos a dar duro por uns dólares a mais. O fato é que as pudibundas e maldebundas americanas passaram a frequentar compulsivamente os estádios de baseball alegando que lá é o único lugar nos EUA em que elas podem admirar homens fortes e musculosos segurando tacos roliços enormes e rijos, o que sempre as leva ao delírio. Uma loucura! Deus salve a América e as mocetonas americanas, em tão difícil momento.
(290110)

19 outubro 2020

Brasil, bico de pena, artistas, escolas / Arte que se reparte

Comecei a fazer desenhos a bico de pena influenciado pelos trabalhos de alguns desenhistas magistrais, autênticos virtuoses no desempenho dessa técnica milenar. Artistas europeus, chineses, norte-americanos, sul-americanos já fizeram maravilhas valendo-se de uma prosaica pena embebida em nanquim e uma singela folha de papel. De tantos artistas, muita coisa que vi me encantou. Já citei várias vezes, volto a citar, que Percy Lau me deixava atônito com seus desenhos a bico de pena, desde que eu ainda era um niño de Jesus. Esse brasileiro, nascido em Arequipa, Peru, era o cão de calçolão. E chupando manga, quando acaba. Também o eram Poty, Carybé, Aldemir Martins. Tenho o orgulho de ter sido amigo de um dos maiores desenhistas deste planeta, Floriano Teixeira, principal ilustrador dos livros escritos por Jorge Amado. Para meu júbilo, Flori gostava de meu desenho, me recebia sempre em seu atelier e me presenteou com alguns tesouros que fez a nanquim. Com cada um desses artistas, aprendi um pouquinho. Ou muitinho, melhor dizendo. Dá-se que quando trabalhei como ilustrador e cartunista em jornais, em uma era pós-clichês e pré-computadores, eu me vali muito de bico de penas, mesmo não sendo penas de metal para desenhos no sentido exato da palavra, aquelas que substituíram as penas de ave usadas em tempos de antanho. A nomenclatura dada a elas, as tais peninhas, era bico de pato e mosquito, penas metálicas enfiadas em um cabinho de madeira. Também as usei muito, mas sempre preferi trabalhar mais com canetas com tinta nanquim, super práticas, as recarregáveis e as do tipo descartáveis, como a que usei para fazer o desenho acima. É a ilustração de uma crônica falando em escolas municipais, merendas e brasilidade, impressa há já algum tempo, em uma gazeta diária dessa cidade batizada de Soterópolis. Para fazer a aludida ilustração, li com a devida atenção o texto do autor, formulei a ideia que achei de acordo com o conteúdo dos escritos, esbocei com grafite B em papel usada em diagramação e finalizei com caneta nanquim descartável, caprichando nas hachuras que soem caracterizar um bico de pena. Te cuida, Percy!

18 outubro 2020

Torquato Neto e os versos que cantam o fim


Torquato Neto é nome sempre lembrado como um dos co-participantes da construção da Tropicália no sempre rico cenário da música brasileira. Seus versos embelezaram canções e se perpetuaram na história da chamada MPB. Em dia de triste memória decidiu antecipar sua partida deste mundo, tirando a própria vida e nos deixando vazios de novos versos seus. O gesto extremo deste inspirado poeta do Piauí inspirou questionamentos existenciais de um outro versejador talentoso, Caetano Veloso que, estando de passagem pelo Piauí, um dia visitou o pai de Torquato, coisa que, em um canal televisivo, contou em detalhes em comovente relato. Neste encontro, do pai de seu amigo e parceiro Caetano recebeu uma rosa de uma especie conhecida como rosa-menina. Tal gesto emocionou o compositor resultando em "Cajuína", canção memorável que abre com existencial indagação: “Existirmos, a que será que se destina?”. E mais adiante, em outros versos, Caetano diz: “... e se acaso a sina do menino infeliz não se nos ilumina, tampouco turva-se a lágrima nordestina, apenas a matéria viva era tão fina”. 
Para que recordemos o cultuado poeta piauiense, usando grafite B e uma caneta nanquim, fiz este retrato aí no alto que busca falar de um cara amado e da memorável época tropicalista. Aproveito para deixar os versos que ele criou para uma canção linda e tocante - feita em parceria com Edu Lobo - falando de um adeus definitivo, um derradeiro adeus. Vai também um vídeo com a Elis Maravilhosa Regina, acompanhada pelo Zimbo Trio, tornando ainda mais sublime esta canção.
Pra dizer adeus
Adeus
Vou pra não voltar
E onde quer que eu vá
Sei que vou sozinho
Tão sozinho amor
Nem é bom pensar
Que eu não volto mais
Desse meu caminho
Ah, pena eu não saber
Como te contar
Que o amor foi tanto
E no entanto eu queria dizer
Vem
Eu só sei dizer
Vem
Nem que seja só
Pra dizer adeus
(20/11/14)

Dr. Jota Cristo, advogado trabalhista, TRT da Bahia, João Jorge Amado e Setúbal.

Histórias reais, ocorridas verdadeiramente, acreditem, acreditem, por mais inacreditáveis que possam soar. Fatos pitorescos, hilariantes, de causar espécie, risos e gargalhadas, ocorridos no âmbito do TRT da Bahia. Todas elas foram pesquisadas, garimpadas, recolhidas, selecionadas e narradas por João Jorge Amado e resultam em um rico material que está contido no seu livro Pequeno Anedotário do TRT da 5ª Região, editado pela Fundação Casa de Jorge Amado. João Jorge, que por muito tempo trabalhou dentro do dito TRT, teve o discernimento de saber que tantos fatos insólitos formavam um mote riquíssimo, dignos de registro literário. Fui chamado pelo autor para fazer as ilustrações e de tanto gostar das histórias narradas, volta e meia costumo reler, principalmente aquelas que considero mais hilariantes. Uma delas fala de certo reclamante que, em tom solene, disse ao juiz ter por advogado ninguém mais, ninguém menos que o próprio Jesus Cristo, o filho de Deus Onipotente. Achava ele que estava sendo original, mas os juízes já estão habituados a coisas que tais. Ocorre que  nestes tempos em que vemos crescer o descrédito nas chamadas autoridades constituídas, quando uma enorme desesperança geral nas coisas terrenas parece tomar conta das pessoas, são muitos os que buscam se agarrar a deidades diversas na esperança de construir uma ponte com o mundo espiritual que lhes garantam a um só tempo, um lugar nos céus e, de quebra, as coisas materiais que ainda sonha possuir aqui na Terra. Vamos aos fatos: iniciada a audiência, o juiz Cláudio Mascarenhas Brandão, que a presidia, indagou ao reclamante se ele tinha advogado. Como resposta, ouviu:
 "Meu advogado, Doutor, é Jesus Cristo."
Impassível e sagaz, aduziu o juiz:
 “Este daí é muito, muito bom. Infelizmente ele não pode advogar nesta audiência, pois não é inscrito na OAB."
Por estas e outras é que a Bahia foi um dia cognominada a terra da felicidade. 
**********Arte que se reparte: a ilustração desta postagem foi feita em papel Westerprint 180 g, tendo o esboço sido executado com grafite B e a arte-finalização feita com caneta nanquim e retícula Letratone.           

JBosco, Pará, Fafá

Este sujeito aí, com uma batata entre os olhos à guisa de nariz, não é nenhum audaz e heroico compañero de Che e Fidel que em Sierra Maestra arriscava sua própria vida em renhidos e mortais embates contra os esbirros do mendaz ditador Fulgencio Batista y Zaldívia. Bem, combatente ele certamente o é, mas sua trincheira é uma prancheta e sua arma um lápis com o qual dispara certeiros petardos contra o mau-humor, o cara nunca erra o alvo. Estou falando deste mui nobre mameluco, orgulho e glória de Belém do Pará de onde, de algum ponto da selva (de pedra), cria e executa com invejável maestria cartuns, charges, tiras e caricaturas. Conferindo o trabalho deste talentoso cartunista nos links abaixo vocês haverão de concordar comigo quando afirmo que que nem só de Pinduca, Gaby Amarantos e Fafá de Belém vive o maravilhoso Pará.

28 setembro 2020

Manezinho Araújo, o Rei da Embolada / Uns caras que eu amo 8

"Imbolá, vô imbolá, eu quero ver rebola bola, você diz que dá na bola, na bola você não dá." Tais palavras são de uma composição do grande e versátil Zeca Baleiro e você que gosta do trabalho do cara, certamente já o ouviu cantar essa melodia de ritmo e letra instigantes. Trata-se de uma embolada, gênero musical que se ouvia muito do final dos anos trintas até os anos cinquentas e que, em certa medida, é um ancestral do rap. Você, leitor dotado de seletíssimo ouvido e de acendrado gosto musical, sabe bem que Baleiro prima pela mistura de ritmos, pelas composições originais e ecléticas, que podem misturar batidas pop com diversas ritmos regionais do nordeste brasileiro, entre otras cositas. Mas não é o sempre magistral Zeca Baleiro o motivo maior dessa postagem, ele aqui é apenas o fio condutor para falar do Rei da Embolada, título que pertence, com totais méritos, ao genial Manezinho Araújo, compositor, cantor e pintor nascido em Pernambuco em 1910. Manezinho iniciou sua carreira profissional após um inusitado encontro com Carmen Miranda ocorrido em um navio, no tempo em que ele servia a Marinha do Brasil. Durante a viagem, estimulado pelos colegas marinheiros, Manezinho cantou suas emboladas para a Pequena Notável. Ela adorou, seu empresário e sua comitiva, idem, idem. Disso veio o convite para ir ao Rio de Janeiro buscar a sorte nas rádios para nelas cantar profissionalmente, o que acabou acontecendo e Manezinho foi muito bem sucedido, sendo contratado por uma boa gravadora que com ele gravou diversos discos. Na embolada estão amalgamados o lúdico, a alegria, a malícia, a sátira ferina, uma boa pitada de molecagem popular, muita criatividade e, sobretudo, doses maciças de humor e da mais pura brasilidade. Uma das coisas positivas da internet é que ela vem sendo usada como importante registro da História e um meio de preservação da memória popular. Nela podem ser encontradas gravações memoráveis, históricas, para o deleite de quem não se limita a ouvir ouvir apenas e tão somente a onda musical do momento. Quem gosta do que é bom, há de gostar de ouvir os sucessos de Manezinho Araújo, Pra onde vai, valente?, O carreté do Coroné, Coitadinho do Manezinho, A metraia dos navá, Cuma é o nome dele? Dezessete e setecentos, e outros mais. Todos deliciosos e bem brasileiros. Viva Manezinho Araújo! E que ninguém bula com Mané do Arraiá!
(161116)

23 setembro 2020

Nildão e Renatinho da Silveira e a Santa Inquisição nos dias atuais

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1. São Rock 2. Nossa Senhora do HD 3. Aparição da Virgem 4. Santo Antônio 
Em uma bela e enluarada noite de quinta-feira, mais exatamente no dia 27 de janeiro do Anno Domini de 2011 (o teeempo passa, torcida brasileira!), o cidadão Nildão, inspirado poeta, intimorato artista gráfico e iconoclástico cartunista, estava lançando seu mais novo livro de então, sendo tal opúsculo prenhe de criatividades miles. Nildão é o cara! Sabe que o bom humor serve para questionar o estabelecido e os dogmas mais entranhados. Assim é que ele, trabalhando em dupla com seu inseparável comparsa, o maravilhoso Renato da Silveira, criou e lançou algum tempo atrás a série "São Será o Benedito e outros santos geneticamente modificados". Católicos ortodoxos não gostaram nadinha de mexerem com seus ícones. E um grupo um tantinho fundamentalista, lá de Sorocaba, SP, moveu um processo criminal que foi encampado pelo Ministério Público Federal de São Paulo. Qual seria o próximo passo? A excomunhão de Nildão e Renatinho da Silveira? A ressurreição de Torquemada para, com seus autos-de-fé e suas fogueiras, punir as heresias gráficas da dupla? Não sei responder, sou péssimo em opinar sobre coisas em que a sensatez e a racionalidade nos escapam, em que as escolhas de atitudes fogem ao bom-senso. E sabemos bem até onde isso pode nos levar, desde a devastadoras guerras santas, como a acusações de bruxaria e queima de inocentes nas fogueiras de Salem, por exemplo. Não, não sei. O que sei é que Nildão e Renatinho são fantásticos criadores gráficos, plenos de humor e sapiência, mentes mais iluminadas que qualquer grande fogueira da Inquisição, caras do bem, talentosos e profícuos, que a toda hora lançam alguma coisa nova, instigante, que nos faz rir, e que assim nos chega ao cérebro e nos faz parar para refletir um pouco mais sobre sentidos e valores atribuídos às coisas. Quem quiser conferir pode ir ao site do Nildão e dar uma olhadinha lá que vai sair fã da dupla. O link é http://www.nildao.com.br
(18010211)

21 setembro 2020

Nenhuma mulher me resiste / Frases de Béu Machado 13

 As mulheres não resistem à minha presença: dão no pé.
(Béu Machado, de seu livro Pensamentando)
260916

Dívida dura de engolir / Frases de Béu Machado 03

Uma senhora com um colar de pérolas
pode estar endividada até o pescoço.
(Frase de Béu Machado, de seu livro Pensamentando)
(220916)

Fundos que nos afundam / Frases de Béu Machado 09

Os magnatas não costumam depositar seus fundos no banco dos réus.
(Béu Machado, do seu livro Pensamentando)
(230916)

Telepata que empata / Frases de Béu Machado 20

Pense sempre nos outros. Mas antes se certifique de que seu marido não é telepata. 
(Frase de Béu Machado, de seu livro Pensamentando)
(300916)

16 setembro 2020

Béu Machado, Caetano Veloso, Goethe

Sempre relembro Béu Machado, sempre vale a pena que todos relembremos Béu. Amiúde me vem à mente seu jeito calmo de poeta, quase anônimo, fingindo-se igual aos viventes outros, malgrado o talento imensurável para versejar, criar frases. Contrariando Caê, que diz que só se pode filosofar na língua de Goethe, Béu filosofava em muito bom soteropolitanês. Seu humor, carregado de dendê e pimenta dedo-de-moça, algumas vezes era pura molecagem e outras ocultava, por trás de uma aparente despretensão, uma profundidade que a muitos certamente poderia escapar. O humor béumachadiano e sua filosofia podem ser percebidos a olho nu em frases como estas que aqui reproduzo para matar as saudades do poeta, do frasista, do vizinho na Boca do Rio e do amigo cortês e espirituoso.
***** O fato de marcianos virem periodicamente à Terra só prova uma coisa: não existe vida inteligente em Marte.
***** O açougueiro cortou a parte que eu mais precisava: meu crédito.
***** "Saúde de ferro!", disse o médico, desenganando o hipocondríaco.
*****De lascar é quando a bola bate no pau sem chocar na trave.
***** De nada adiantou eles ordenarem que eu me calasse. Heroicamente continuei gritando "Ai!"
***** Desisti de desafiar o Mike Tyson. Os motivos são de força menor.
***** Desta vez vai correr sangue: aumentaram os preços dos absorventes!
***** Ler Proust é uma perda de tempo.

Que grande, que imensurável falta nos faz Béu Machado.
(291114)

10 setembro 2020

Elis Regina, insuperável. / Umas minas que eu amo 4

Somos um país musical. Essencialmente, fundamentalmente, visceralmente, extraordinariamente musical. Entre nossos tesouros pátrios, temos cantoras maravilhosas que arrasam ao cantar e interpretar qualquer tipo de música. Que maravilha, que musical deleite é ouvir o canto de Gal Costa, de Rita Lee, de Clara Nunes, de Cássia Eller, de Daúde, de Adriana Calcanhotto, de Marisa Monte, de Clementina de Jesus, de Astrud Gilberto, de Flora Purim, de Bidu Sayão, de Dona Ivone Lara, de Carmen Miranda, de Elba Ramalho, de Marinês, de Nara Leão, de Dalva de Oliveira, de Ângela Maria, de...ah, são tantas e tantas e tantas! Para mim, entre elas, brilha a estrela mais cintilante: Elis Regina. Elis, a Pimentinha. Inesquecível, incomparável e, em diversos aspectos, insuperável. Elis tinha uma voz e uma força interpretativa que supera os limites do que já é muito, muito bom. Tudo quanto ela cantou ou gravou, segue tendo uma força maior e dói saber que se foi dessa vida e não se ouvirá suas possíveis interpretações para canções que amamos, gravadas por outras notáveis cantoras. Ouço uma delas interpretando uma música, gosto do resultado, mas sempre me pego em solilóquio, dizendo que extraordinário seria escutar Elis Regina interpretando aquela canção, de uma forma que só ela saberia interpretar com toda a força que lhe ia na alma de quem nasceu para cantar, com o coração pulsando forte, saindo do peito, extraindo da canção tudo que ela continha em seus mais recônditos dizeres, de um modo que ninguém jamais a igualou, deslizando por sua garganta abençoada, chegando a nós, preciosa e exata, através de sua voz, de sua força interior. Dói muito tal sentimento de perda. Elis tinha um timing que foge ao comum, mergulhava na canção, ia ao seu âmago, dali arrebatava tudo que essa canção tinha para dar em termos de emoção, fosse a mais profunda dor, melancolia, alegria, esperança, amor não correspondido, amor vitorioso, redentor. O músico César Camargo Mariano, que acompanhava Elis, diz que ela não era só uma cantora e grande intérprete - o que não é pouco - que ela ia muito além disso. César a tinha na conta de um músico, em pé de igualdade com os que a acompanhavam e isso gerava uma total empatia e cumplicidade que facilitava as coisas, era fundamental nos ensaios, nas gravações e apresentações. Elis correu o mundo, esteve em várias cidades do planeta e causou admiração por todos os recantos que passou, graças à sua grandeza musical. Mas não quis fincar raízes na Europa ou nos Estados Unidos. Afirmava ser uma cantora genuinamente brasileira, com largos e indissociáveis vínculos com nossa cultura. Aqui se quedou, em ambiente muita vez adverso para ela e  para o Brasil que ela desejava, lutou com seu talento, sua índole e sua bravura pessoal, e seguiu carreira renovando-se a cada dia, agigantando-se, chegando a um patamar em que poucas no mundo da música chegarão. Tinha a sabedoria de adivinhar o formidável, o magistral em compositores ainda neófitos, novatos em que ela vislumbrava talento em potencial, e lançou ao estrelato vários deles em gravações antológicas. Dava às canções uma força que fazia boquiabertos os próprios autores das composições, fossem eles os ainda iniciantes Gilberto Gil, Zé Rodrix, Belchior ou mesmo Aldir Blanc e João Bosco ou, certamente, o Maestro Soberano, Tom Jobim, com quem Elis fez um dia um antológico dueto, interpretando Águas de Março. Elis se foi, e é uma imensurável perda para o mundo da música. Consola-nos, ao menos, o fato de poder ver e ouvir em vídeos postados na internet, sua voz de interpretações que não encontram similares, uma voz maravilhosa, clara, forte e poderosa que encantou não só o Brasil, foi além, bem mais além, e conquistou o mundo.
(070716)

09 setembro 2020

Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Francis, Zélia Gattai, Godofredo Filho e Tiradentes em retratos feitos a cores por Setúbal.

O lusitano FERNANDO PESSOA, o mineiro CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, o baiano GODOFREDO FILHO, poetas mais que inspirados da língua portuguesa. Retratos em papel Opaline 160 g, esboço com grafite B, arte-final com caneta nanquim, cores feitas com lápis Caran D'ache. Clicando sobre cada uma das ilustrações, luminiscente leitor, você as amplia.

 PAULO FRANCIS, jornalista, crítico de teatro, escritor. Papel Canson, 180 g, esboço com grafite HD, arte-finalização com caneta nanquim, colorização com aquarela.
 ZÉLIA GATTAI, escritora, fotógrafa e memorialista brasileira. Retrato feito sobre papel Opaline 160 g, grafite B para esboçar, caneta nanquim para arte-finalizar, tinta ecoline para colorir. 
TIRADENTES, retrato feito a partir de imagens que costumeiramente  circulam em livros e jornais brasileiros. Papel Fabriano 200 g, desenhado e colorido com pastel seco.

Madonna, Rubem Braga, religiões, protesto e resistência à ditadura. Três ilustrações de Setúbal.

MADONNA BOA DONA E RUBEM AI DE TI PINDORAMA BRAGA. Ilustração esboçada com grafite 2B em papel de diagramação, arte-finalizada com caneta nanquim e com um pincel 02 na aplicação de tinta ecoline de cor cinza. A retícula pontilhada no alto da arte foi garimpada na internet. 
Clicando sobre cada uma das ilustrações você irá vê-las em formato ampliado.
O HOMEM, AS RELIGIÕES. Esboço feito com grafite B sobre papel de diagramação. Sobre este esboço foram colocadas manchas de meios-tons de cinza feitos com aquarela.
RESISTÊNCIA A DITADORES. Ilustração feita com lápis dermatográfico sobre papel preto. Os toques de cinza, que ajudam a visualizar melhor os personagens, foram colocados através do Photoshop. 

08 setembro 2020

O bardo Bill Shakespeare no traço de Setúbal.

Há jogadores profissionais de futebol que só jogam em uma única posição, seja ela qual for. Outros, entretanto, se adaptam a diversas posições, do ataque à defesa, passando pelo meio de campo. Há até uns craques que, mesmo não sendo goleiros de ofício, em caso de uma emergência calçam as luvas de arqueiro e vão estoicamente defender o chamado último reduto. O fato em si não torna um jogador eclético melhor que o que não o é, é só uma questão de versatilidade que um não tem e no outro por vezes sobra. Falo isso porque já conheci desenhistas que sempre seguiram uma única linha de trabalho e dessa forma mostravam-se notáveis. Outros conheci que tinham inúmeras variantes para se expressar. Meu trabalho se situa entre os destes profissionais. Faço isso por gostar de fazer um número de coisas diferentes, variar, ousar, experimentar técnicas e materiais novos, o que me enche de prazer e satisfação e afasta para bem longe qualquer possível chatice contida em rotina que ameace ser enfadonha, Assim, busco renovar um trabalho cotidiano, torná-lo um desafio, dar o melhor de mim e fazer um trabalho profissional que surpreenda sempre aos leitores, quer fazendo cartuns, HQs, tiras, ilustrações variadas, caricaturas e retratos. Destes últimos, os retratos, já fiz um bom número mostrando artistas, políticos, escritores, intelectuais e um infindável número de gentes outras. 
Nesta postagem, mostro acima o mais que extraordinário William Shakespeare, poeta, dramaturgo e ator inglês, celebrizado como "O bardo do Avon". Não confundir com o Bar do Avon, que deve ser - há de existir - o nome de algum pub local. Shakespeare é considerado o poeta nacional da Inglaterra, eternizado como o criador de prodígios como Hamlet, A megera domada, Rei Lear e Romeu e Julieta - frisando que não estou me referindo à sobremesa assim batizada, composta de goiabada-cascão-com-muito-queijo. Falo é do célebre casal de jovens apaixonados de Verona que não há quem desconheça neste mundo, mundo, vasto mundo. 
********Usando grafite B esbocei o desenho em papel de diagramaço. Fiz a arte-final com caneta nanquim e sobre ela - qual um inventivo MacGyver - me valendo de uma velha escova de dentes, aspergi tinta nanquim para dar um toque visual mutcho porreta, como dizem as mais representativos representantes do povão desta minha afrocity baiana, Soterópolis. 
(300518)

05 setembro 2020

A Poesia e a Boca de Béu Machado.

Nem bem dissipava-se a primeira das gotas de orvalho e lá estava eu, senhor do mar qual um Poseidon, mergulhando nas águas da Praia da Armação, na Boca do Rio, nesta soteropolitana urbe. Tempos antes, Caetano Veloso soltara sua voz tamanha alardeando que a Boca do Rio era beleza pura. Um aval régio desses não é inteligente desprezar-se. Vai daí peguei meus pincéis e tintas e fui habitar o - na época - paradisíaco bairro onde já haviam morado até Os Mutantes, em fase pós-Rita Lee. Entre os tradicionais moradores estava o vate Béu Machado, que eu já conhecia das redações de gazetas baianas, vez que ele sustentava sua prole e família ganhando o pábulo nosso de cada dia nessas redações, escrevendo, com competência e estilo próprio, coluna falando sobre as artes made in Bahia, divulgando os artistas locais, notadamente os da música, muitos dos quais ainda emergiam na profissão, antes de tornarem-se as estrelas que hoje são. Fora das redações, Béu curtia mesmo era prosear bebendo umas e outras em algum cacete-armado do seu bairro, cotovelo no balcão, fumando um cigarro atrás do outro com seu jeito pacato, sua mansidão bovina. Observando-o assim ninguém adivinharia que ali estava um poeta de surpreendente criatividade e um frasista mais que inspirado, ora crítico, ora irônico, às vezes debochado, muita vez lírico, e o letrista, parceiro de Moraes Moreira em canções em que diz coisas como "Salvador é um Porto Seguro". Um dia, quando a bebida e o cigarro lhe golpearam mais duramente a saúde, atendendo à amada e aos filhos deixou de beber para melhor se cuidar. De Brasília, nosso amigo em comum, o jornalista Fernando Vita, também apreciador de liquors variados, envia texto a ser publicado em que lamenta o recesso alcoólico de tão querido amigo. Tempos depois não resistindo mais à prolongada abstinência, Béu rendeu-se e voltou a beber contrariando médicos, esposa e filhos, todos receosos de nefastas consequências dessa sua decisão, até de uma possível morte prematura. Em nota na sua coluna Swing, enfim responde a Vita, colocando-o a par de sua atitude e justificando sua humana fraqueza: "Vita, querido, voltei ao etílico. Aquela força-de-vontade não podia continuar me dominando!" Grande, grande, grande Béu Machado.
(241112)

03 setembro 2020

O Bundamolismo e o cabotinismo neste país tupiniquim

Nem bem se esvanece o rocio e este estóico cartunista já está em plena atividade no Central Park, na mui frígida atmosfera dessa Big Apple, malhando espartanamente. Mister se faz ter hercúleo físico para poder superar as cotidianas barreiras encontradas por um genuíno cartunista. Nós, os cartunistas autênticos, vivemos eternamente em pugna imensa contra as mazelas impingidas à raça humana, inerme e desprotegida, ainda que armada esteja. Tamanha dedicação não impede que tantos não nos reconheçam como seus legítimos e heroicos protetores e que nos dirijam injustas e indevidas ofensas. E se extremistas armados nos trucidam em mortais ataques, comemoram aos gritos de “bem feito, bem feito!!”. Miríades de brasileiros incorrem em tais abomináveis equívocos e em terras tupiniquins não faltam os que nos apodem de quixotescos e, de forma chula, nos chamem de bundas moles. Pensar nisso me faz intensificar a malhação dos meus bíceps, tríceps e principalmente dos meus glúteos para enrijecê-los de forma pétrea. Bunda mole é mãe!
***Neste post mais três trabalhos de ilustração, como me exigiu o cacique Biratan, que é minha participação em um projeto mostrando trabalhos de artistas gráficos exibidos no Facebook. Na sessão de hoje, numa homenagem ao assaz laureado cineasta Lima Barreto, nada de technicolor ou tequinicolor, só sertão com suas muitíssimas veredas, sertão nordestino, cangaço e cangaceiros em P&B.
1. O HERÓI, história em quadrinhos com argumento e roteiro do graaaaande Gonçalo Júnior, ainda inédita. Arte feita em papel Opaline 180 gramas, grafite B e caneta nanquim descartável.
 2. ROSTO EM CLOSE DO CONSELHEIRO, ilustração para revista. Monotipia feita com tinta preta em bisnaga para paredes e papel ofício.
3. CANGACEIRO E BANDO. Ilustração para livro, Fakexilo, uma simulação de xilogravura feita com guache branco em papel preto.
(11022015)

Um pequenino detalhe sexual / Humor de graça

(200115)

30 agosto 2020

Béu Machado: frases afiadas do poeta da Bahia

Com imenso talento nato para criar fantásticas poesias, letras de músicas e frases definitivas, Béu tinha tudo para ser hoje, no universo das Artes, um nome consagrado, conhecido, admirado e citado, do Oiapoque à PQP. Mas só algum tempo depois de sua lamentavelmente prematura morte é que foi lançado um livro com uma seleção de parte do seu trabalho. Uma edição que só foi possível graças ao amor e a admiração que ele semeou em vida. Um grupo de amigos mais próximos - entre os quais o também poeta e compositor José Carlos Capinan, jornalistas e artistas gráficos - editou com o merecido carinho o divertidíssimo "Pensamentando", produzido pelo citado grupo com toneladas de carinho, amizade, fraternidade, charme. O livro traz em suas páginas uma seleção das mais formidáveis  e hilariantes frases, para o leitor se deliciar a valer com as peraltices verbais de Béu, tão querido poeta, letrista, jornalista, colunista e frasista. A mim, tocou-me a honrosa incumbência de fazer as ilustrações. Vão aqui algumas frases para você ver do que a cuca de Béu Machado era capaz. Algumas delas podem ser encontradas em outros espaços aqui neste bloguito ilustradas com os desenhos que fiz para cada uma, especialmente para o livro. Dentre as frases béumachadianas selecionadas para a edição, garimpei essas aí, uma melhor do que a outra:
*Inteiramente a favor das conquistas femininas. Principalmente se eu for uma delas.
*Improvável como João Gilberto no encontro de trios.

*Para alguns ladrões, nenhuma clemência. Outros são chamados até de Vossa Excelência.
*Controle-se quando for ofendido, senão você pode errar a pontaria.
*Saúde de ferro, disse o médico desenganando o hipocondríaco.
*Na Rússia a coisa mais comum é Sergei.
*Oh, ser humano! Entender-te, quem? O travesti é frustrado porque tem.
*Não me deixei paralisar pelo medo. Fui a mil para debaixo da cama.
*Outra coisa: ralé, rapé. Gente fina, cocaína.
*Para que autodomínio se eu sou casado com minha mulher?
*O álcool eu controlo. Verifico sempre se o garçom está servindo as doses conforme exigi.
(191113)

29 agosto 2020

Vinicius de Moraes e seu Horóscopo para as mulheres que amam apaixonadamente

.Em um sebo encontrei um opúsculo de Vinicius de Moraes, cuja poesia muito me agradou sempre, um homem que nasceu para cantar as mulheres. Quer dizer, cantar no sentido de louvar. Se bem que no caso do poetinha acho que o outro sentido, o de seduzir, rolava amalgamado e não consta que alguma de suas musas haja reclamado no Procon, no STJ nem na mídia televisiva e impressa. Também neste pequeno livro, as poesias versam sobre as mulheres - assunto recorrente do poetinha - observadas agora sob o ponto de vista do zodíaco, com um olhar todo especial que só o talento de Vinicius podia trazer bem longe das baboseiras de praxe que o assunto parece atrair. Achei que mostrar aqui seria uma forma singela mas sincera de homenagear o autor do Soneto da Fidelidade na passagem da data do seu centenário, sendo também um bom pretexto para eu fazer uns traços e rabiscos à guisa de ilustrações. Aqui neste bloguito postarei todo o Horóscopo escrito em belos versos em que Vinicius deslinda a alma de cada uma das mulheres dos signos do zodíaco. De forma original, bela e única que nenhum Horóscopo jamais mostrou pois somente o amado Poetinha teria a criatividade necessária para preparar para vocês, doces meninas.

20 agosto 2020

Vitor Souza, pastor de muita fé, colorista, ilustrador, designer gráfico e escritor.

Um personagem de história em quadrinhos chamado Xaxado foi quem me apresentou ao meu amigo Vitor Souza, competente professor de Teologia e dedicado pastor, designer gráfico e colorista dos melhores. Trocando em miúdos, bem antes de ser amigo de Vitor eu já o era do desenhista Antonio Cedraz, criador de diversos personagens de quadrinhos, sendo o mais famoso deles um menino nordestino, um pequeno sertanejo que usa um chapéu de couro, atende pelo nome de Xaxado e é neto de um autêntico cangaceiro. Cedraz, tão sertanejo quanto seu personagem, desde seus dias de infância no interior da Bahia era um grande apaixonado por quadrinhos. Sonhava ter os personagens criados por ele tão cultuados quanto os de outros já consagrados profissionais. Pensando nisso, trabalhou sozinho com perseverança, depois decidiu que era chegada a hora de ter um estúdio e formar uma equipe para produzir seus quadrinhos. Montou seu tão sonhado estúdio e abriu uma editora, a Editora Cedraz, disposto a publicar e divulgar suas criações. Começou a selecionar pessoas que tivessem competência e vontade de fazer quadrinhos. Logo arregimentou gente disposta a trabalhar firme para tornar realidade o sonho dourado de viver de histórias em quadrinhos na Bahia. Dentre essas pessoas selecionadas, estava Tom Figueiredo, literato premiado, argumentista e roteirista de quadrinhos, estava também Sidney Falcão, desenhista profícuo, de grande habilidade, que assimilou com competência o traço de Cedraz e, last but not least, integrava essa turma Vitor Souza, que no estúdio, é claro, não atuava como pastor nem dava aulas deTeologia. O que Vitor fazia por lá, entre outras coisas,  era colocar títulos, letras e balões nos desenhos e colorir digitalmente as histórias que surgiam da cuca de Tom e Cedraz e eram desenhadas por Sidney e pelo próprio Cedraz, a maioria delas com o menino Xaxado que, graças ao seu carisma, havia se tornado o personagem principal e o carro-chefe do estúdio ensejando a produção de centenas de tiras e páginas, sendo a grande maioria colorida por Vitor que, de novato na arte de colorir, foi se aperfeiçoando e se tornando um profissional competente e habilidoso, dominando o uso de diversos programas, ficando íntimo das cores digitais e não apenas isso, das cores em si, suas nuanças, seus matizes, sua linguagem cheia de sutilezas e de possibilidades. Eu gostava de visitar Cedraz no estúdio, era estimulante ver o trabalho que ele e sua equipe desenvolviam com tanto carinho. Ali naquele ambiente pude presenciar Vitor Souza colorindo o Xaxado. A cada visita minha ao estúdio, enquanto ele letreirava ou coloria, conversávamos animadamente e eu gostava de ouvi-lo falar com propriedade sobre os temas mais diversos, cinema, política, sociedade, quadrinhos e um mundo de coisas interessantes. Vitor sempre foi o tipo de gente que gosto de ter como amigo, um cara muito bem informado, com saberes fundamentados através de leitura de livros e revistas de qualidade, cinema, Internet. Nessas fontes que bebia captava informações importantes o que propiciava que ele falasse das coisas com conhecimento de causa. Sendo ainda bem jovem sempre mostrou ter ideias maduras e uma mente aberta, sabendo argumentar com grande embasamento, sem radicalismos. Sabia ouvir e falar na hora certa, mostrando personalidade, sem querer ser o dono da verdade. Findamos por nos tornar amigos próximos e, inevitavelmente, começamos a trabalhar juntos, a misturar nossas artes, eu com meu desenho, ele com suas cores e seu trabalho de designer gráfico. Vitor, além de profissional competente, é um ser humano de boa índole que batalha muito para ser feliz ao lado da própria família. Não sou religioso como ele o é, nem tenho as relações sólidas com Deus como ele as tem, mas mesmo sem maiores intimidades, tenho lá minhas ligações com o Criador e quando rezo pedindo a felicidade de gente da minha estima, peço ao Onipotente que contemple com paz e concórdia a caminhada de tão bom amigo. E que a vida de Vitor e sua família possa ter sempre a mesma maravilhosa harmonia que ele magistralmente consegue dar às suas cores.  
( As ilustrações  desta postagem são da HQ Em Terras Americanas com argumento de Tom S. Figueiredo, desenhos de Setúbal, com colorização e letreiramento de Vitor Souza.)
(220716)

15 agosto 2020

A procissão da Boa Morte, andores e amores.

Bete olvidou o beijo que da minha nebulosa memória jamais se apagou e em algum cantinho ermo e penumbroso de suas lembranças empilhou, desinteressada, as palavras de carinho que lhe disse e o beijo que trocamos frente ao Castro Alves que até hoje em minha mente trago claro como o mais claro dia de sol. Bete tinha uma moto e com ela tanto cruzou ruas, alamedas e avenidas que findou por descobrir uma recôndita vereda que conduzia ao beco sem saída do meu coração. O capacete que usava escondia dos outros seu rosto mas não ocultava de mim seu sorriso (ai!) e seus lindos olhos ciganos(ui!). Toda mulher é uma multidão. Ser múltiplo pela própria natureza, quem lhe adivinha os inescrutáveis pensamentos? Quem decifra seu sorriso após a lágrima sincera que derrama? A insondável origem de sua força surgindo de sua aparente fragilidade para vencer a mais forte das humanas tormentas, quem pode explicar? No amor, entre gestos de recato, volúpia e devassidão. Na noite tépida, adormecida, a mão sobre o púbis, quem há de antecipar os sonhos que há de sonhar entre lençóis de branco linho? Como prever o que dirá e fará cada uma das mulheres dentro de toda mulher? Não adivinho as palavras e gestos de Bete, pura recusa aos meus apelos. E vejo atônito que essa moça, de um dos oito casacos que usa para se proteger do frio intenso de Cachoeira, puxa a mais afiada das cimitarras e trespassa num golpe seguro minha alma geminiana, romântica como um perro gitano uivando ao plenilúnio. Mesmo inerme e estando ferido, dela ainda quero voltar a sentir o gosto do beijo que numa noite de estio embevecido provei e que trago em meu peito guardado a sete chaves, oito trancas e nove pega-ladrões. Movo minha boca ao encontro da sua mas ela volve o rosto negando-se. Puxo-a pela cintura e colo seu corpo ao meu mas é nítido que seus pensamentos escapolem, descem e sobem as ladeiras de Cachoeira e já dobram a esquina acompanhando, entre cânticos, turíbulos, escapulários, terços e andores a procissão da Irmandade da Boa Morte. E eu, o ouvido surdo de sons, a boca muda de palavras, os braços vazios de gestos, quedo-me só 9no meio da praça enlaçado a um corpo deserto de alma. Bete sorriso (ai!). Bete de olhos ciganos(ui!). Bete tantas mulheres, uma multidão. Em disparada, pisoteando, aniquilando meu quase inocente coração.