29 outubro 2016

Em Terras Americanas: quadrinhos baianos de alta qualidade em dose tripla.

"Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto, lutamos mal rompe a manhã." Lindo, não? Você, pessoinha de alma sensível e de elevada inteligência gostou muitíssimo, não é mesmo? E antes que os mais incautos comecem a achar que sou eu o autor de tal preciosidade, vou logo avisando que a surrupiei de uma poesia de Drummond. Se havia pedras no meio do caminho de sua poesia, o vate itabiranocarioca as retirava e seguia em frente, versejando, tal era sua vontade de exercer o seu ofício de poeta de versos livres. Esse preâmbulo todo é para mostrar que é possível vislumbrar uma analogia entre a luta para fazer poesia e a peleja que é fazer quadrinhos nessas plagas que um dia Cabral achou dando sopa nos trópicos. Fazer quadrinhos por aqui é dificultoso, sim, mas driblam-se os obstáculos e se faz. E é com grata satisfação, respeitável público leitor, que vos anuncio que já foram publicados e podem ser adquiridos três belíssimos volumes de histórias em quadrinhos intitulados Em Terras Americanas. O material publicado, modéstia às favas, é belíssimo, todo made in Bahia, e teve sua publicação viabilizada por haver sido selecionado pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, recebendo recursos do Fundo de Cultura da Bahia. O argumento e o roteiro, levam a assinatura de Tom S. Figueiredo, e são bastante originais, mostrando super-heróis vivendo uma vida em sociedade, misturados aos denominados cidadãos comuns, de uma maneira pouco habitual nas HQs. Escritor premiado, Tom tem ampla experiência no campo dos quadrinhos, adquirida em jornadas empíricas no famoso Estúdio Cedraz, onde labutou por mais de quinze anos. Os desenhos são de Paulo Setúbal, que é -entre outras nobres atividades- presidente, officeboy e moleque de recados deste bloguito, e as cores -belíssimas- são de Vitor Souza, sendo que ambos são profissionais com larga trajetória nos quadrinhos. Antonio Cedraz foi o editor, em um dos seus últimos trabalhos feito em sua vida devotada às histórias em quadrinhos. A Coordenação de Produção do Projeto é de Paulo Milha. Como foram publicadas com numerário advindo de verba oficial, as três revistas estão sendo vendidas por preço mais que acessível, sendo que a renda angariada será totalmente revertida em favor da ONG Centro Comunitário Batista Soteropolitano. Os mais descolados nerds e os amantes mais amorosos dos quadrinhos podem adquirir por preços beeeeeem módicos, todos os três exemplares de Em Terras Americanas ali na Katapow (Av. Octávio Mangabeira, Edifício Privilege, loja 7, Pituba) e na RV Cultura e Arte (Av. Cardeal da Silva, 158, Rio Vermelho), localizadas ambas aqui nessa cidade de Salvador, Bahia, espaços especializados na venda do que há de melhor no universo dos quadrinhos. Leitores que não moram nessa soteropolitana afrocity, ou mesmo os que não têm tempo de passar em uma das lojas citadas, podem encomendar seus exemplares pela Internet através de-mail para http://editora@estudiocedraz.com.br . Nesse caso, o preço vai acrescido do valor do frete. Em Terras Americanas foi feita com especial carinho por profissionais que amam os quadrinhos e é um marco histórico na arte sequencial produzida na Bahia. Fiz um mix com capa e páginas de desenhos da trilogia de Em Terras Americanas para ilustrar esta postagem, quadrinístico leitor, que é para fazer você ficar com água na boca e tratar de encomendar rapidinho os seus exemplares antes que esgotem, já que você não é a única pessoa de bom gosto aqui nessas terras americanas.
(180116)

27 outubro 2016

João Ubaldo Ribeiro no tempo em que era um jornalista, com carteira assinada e tudo.

Antes, bem antes de atingir os píncaros da glória literária e de ser recebido com encarnados tapetes em universidades e palácios primeiromundistas qual um semideus, sendo reverenciado efusivamente em toda parte aonde quer que vá, Oropa, França e adjacências, o cultuado escritor João Ubaldo Ribeiro foi um dia - com direito a somítico salário - redator-chefe do hoje quase extinto periódico Tribuna da Bahia onde eu e Lage atacávamos de rabiscadores. Este jornal, em seus tempos de glória, tinha em seus quadros jornalistas gabaritados, os mais bem humorados com quem eu já trabalhei. Ainda assim nenhum superava o bom humor de Ubaldo que tinha uma risada peculiar, franca, aberta e sonora - uma sonoridade de miríades de decibéis - que ecoava em toda a redação quando ele, atendendo o aviso de algum colega: "Rápido! Está passando o Alberto Roberto na TV!", deixava incontinenti sua pequena sala cercada de vidro batizada de aquário, e vinha lentamente atravessando os mais de 20 metros da sala com seu tonitroante riso, prelibando os momentos de humor que a verve de Chico Anísio lhe traria. Tal proceder valeu-lhe, entre os espirituosos jornalistas, o epíteto de Risadinha. Conhecíamos-lhe e admirávamos o talento invulgar para a escrita - ele já fazia sucesso com o livro Sargento Getúlio - mas ninguém daquela risonha redação poderia prever que nosso bem humorado redator-chefe, unindo seu humor ao raro dom literário, um dia seria capaz de realizar no campo literário façanha tamanha como a que de fato realizou tornando-se um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. De mero vivente, sujeito a frieiras, coqueluches, tosses-de-cachorro, defluxos, pruridos escrotais e afins, Risadinha sagrou-se um escritor de renome, consagrado em todo esse vasto mundo, com direito a vestir o garboso fardão da ABL, munido de espadim e tudo, convertendo-se, destarte, em um venerável imortal admirado e respeitado em todo este imenso orbe. Viva o povo brasileiro! E, é claro, viva também João Ubaldo Ribeiro, já que Risadinha, qual a Tribuna da Bahia, ficou por aí, em algum lugar do passado.
(10/10/12)

18 outubro 2016

Jayme Cortez: um blog para um grande Mestre


Um dia, ainda bem jovem, Jayme Cortez deixou seu querido Portugal e veio morar no Brasil. Sorte nossa! Jayme tornou-se uma figura fundamental para toda uma geração de desenhistas brasileiros. Vivíamos de copiar os desenhos feitos pelos artistas americanos, éramos desprovidos de personalidade própria, pouco criávamos de nosso. Cortez nos ensinou o caminho das pedras, o desenho feito a partir de modelos vivos, entre outros ensinamentos fundamentais, como reproduzirmos o que tínhamos em nosso âmago, o que nos caracterizava, nossa essência, nossa gente, coisas, crenças, costumes. Guardo em minha memória coisas maravilhosas como a quadrinização feita por ele de uma majestosa página do nosso cancioneiro popular - como diriam certos locutores - uma canção melodramática, com direito a coração que saltita e fala, envolvida em melodia e letra bonitas, tocantes, graves, fortes, contundentes, chamada Coração Materno, sucesso na estentórea voz de Vicente Celestino. O mestre Cortez enxergou a beleza plástica e cinematográfica ali escondida, que ninguém vislumbrava. Tão significativa é a canção que o cultuado Caetano Veloso a gravou em belíssima interpretação. Jayme foi - e ainda é - Mestre maior de pletoras de desenhistas que, seguindo seus ensinamentos, hoje são amados pelo público. Era versátil, culto, inovador, empreendedor. Se hoje desenhamos mais e melhor devemos muito a este alfacinha maravilhoso que, repetindo o que fizera Carmen Miranda, veio das terras lusitanas para se tornar um artista brasileiro fundamental, visceral, inesquecível.
***Para a imensurável alegria dos admiradores de Jayme Cortez, seu filho, Jayme Cortez Filho, uniu-se a Fabio Moraes e ambos criaram e mantém um belo e diversificado blog como uma justa homenagem a tão amado e admirado Mestre, blog em que se podem ver fotos e trabalhos do cultuado artista. Sendo eu um admirador incondicional de Cortez, envio a Fabio Moraes e a Jayme Cortez Filho os meus agradecimentos pela esplêndida iniciativa. Para acessar o blog, clique: http://www.jaymecortez.blogspot.com/
(31/05/14)

12 outubro 2016

Setúbal e Valtério: quimioterapia e caricaturas no CICAN

Como cartunista sempre procurei fazer trabalhos para entidades diversas que lutam para dar aos brasileiros uma existência melhor, um país mais justo, mais ético, melhor de se viver. Notadamente para aquelas pessoas de maior carência que não encontram moleza nessa vida. É uma forma que muitos que pensam da mesma forma que eu, encontram de mostrar solidariedade e pensar no coletivo num mundo muita vez duro, onde as pessoas estão ficando cada vez mais competitivas no pior dos sentidos, muito mais individualistas, para ficar por aqui e não dizer mais. Well, well, há uns quinze dias meu amigo, o talentoso escritor fluminensoteropolitano Nivaldo Lariú, colocou-me em contato com a Dra. Eliana Lobão, que integra uma equipe de profissionais do CICAN - Centro Estadual de Oncologia, aqui na Bahia. Da doutora e de Lariú surgiu um convite para que caricaturistas da terra expusessem seus desenhos no corredores do Centro, como parte de um projeto, sendo que os que se julgassem disponíveis, fossem fazer caricaturas de pacientes que estão se tratando com quimioterapia no CICAN, lutando com todas as forças para curar-se de tão grave enfermidade, contando com a valiosa ajuda de médicos e de toda a dedicada equipe do Centro e, uma vez curados, poderem retomar a vida dita normal. Eu e Valtério Salles topamos de cara, combinamos e no dia 11 de Maio lá estávamos nós caricaturando uma notável galera que está sob tratamento, enfrentando com coragem a quimioterapia, todos a personificação da tal "brava gente brasileira", da letra do nosso Hino da Independência. De quebra caricaturizamos boa parte da equipe. O resultado foi maravilhoso, indo muito além das boas expectativa que tínhamos eu, Valtério e Vera - sua esposa sempre de alto astral, que nos acompanhou no seu nobre posto de fiel escudeira de Valtério sempre que mister se faz. Jornais e TVs por vezes mostram com fartura fatos desabonadores ligados ao seguimento médico, como a tal Máfia de Branco, que, para nossa tristeza, de fato existe. Mas há, felizmente, profissionais maravilhosos e dedicados atuando na área médica, que lutam com denôdo, consciência ética, como preconiza Hipócrates, e com notável amor ao próximo, como estes da equipe do CICAN a quem somos gratos pela oportunidade de vivenciar uma experiência humana única que muito nos comoveu e alegrou. Hoje, da Dra. Eliana Lobão, que articulou nossa ida e participação, recebi esta mensagem que repasso aqui para você, leitor. A ela e todos da equipe meu abraço mais afetuoso e minha admiração. 
"Bom dia, Setúbal.
Foi realmente mágico o que você e Valtério proporcionaram na Quimioterapia do CICAN. Simplesmente sensacional o que presenciamos: alegria, descontração, beleza e harmonia. Pacote completo e que não é tão comum naquele local. Obrigado, amigo. Contar com vocês foi o sucesso do nosso evento. Valeu! Bjs. Seguem fotos. Eliana Lobão."
(15/05/12)

"Jayme, um Leão na charge..." por Bira Dantas.

Jayme Leão sempre arrasou fazendo ilustrações maravilhosas que arrancavam das pessoas os mais rasgados elogios. Vi no Face esse texto de Bira Dantas postado em 12 de março de 2014, em que Bira presta uma mais que merecida homenagem a Jayme. Copiei o texto e devidamente não autorizado, em nome da amizade e da estima por ambos, reproduzo aqui neste bloguito para os leitores saberem um tantinho mais do trabalho de Jayme, um cara que arrasava ao ilustrar e que fazia isso com a maior simplicidade do mundo, sem ostentação, sem narcisismos ou egolatrias. Acompanhando o texto de Bira vai aí uma carica que ele próprio, eclético que é, fez de Jayme Leão, essa fera. 
"Conheci Jayme Leão através de suas capas no jornal Movimento nos idos de 1980, quando resolvi virar chargista. A sua arte-final perfeita reforçava o conteúdo de suas charges e ilustrações, carregadas com todas suas ideias socialistas, libertárias, solidárias.
Jayme era alguém que abraçava a causa dos oprimidos no primeiro momento, ou até antes disso, quando ninguém ainda pensava em fazê-lo.
Eu o conheci novamente nas reuniões da AQC em 1984. Um excelente e apaixonado orador, com seu sotaque mezzo nordestino, mezzo carioca. Antes de tudo, um defensor do Quadrinho nacional.
Quando colaborei com o jornal 
Retrato do Brasil, juntamente com o Luiz Carlos Fernandes, sob a batuta de Raimundo Pereira e Elifas Andreato, recebemos a sua visita, lembra Fernandes? E ele cobrou da gente: "Informação, posicionamento, combatividade e excelência gráfica!"
Comprei todos seus incríveis posteres de apoio a Nicarágua, El Salvador e Palestina.
Mudei pra Campinas em 1988 e perdi contato.
A capa da Circo editada pelo Toninho Mendes, me fez relembrar de sua técnica maravilhosa com o aerógrafo e as pinceladas. Alguém intimamente ligado as cores. Cores de luta!
Voltei a acompanhar seus trabalhos através de livros que amealhei aqui e acolá, assim como pelos "Arquivos Incríveis" do 
João Antonio Buhrer, um expert em artes gráficas.
Com a Pizzada dos Cartunistas organizada pelo 
Custódio Rosa em 1999 eu o reencontrei. Ele me contou de sua dificuldade com as editoras de livros. De como ele teve que pular do papel, aerógrafo, pincéis... para a arte digital, exigência editorial. Mas esse percalço ele resolveu com louvor, já que dominou também o photoshop. Ele me falou que queria mudar de Sampa, perguntou como era em Campinas... Pensou até em mudar pra cá. Na ocasião fiz a caricatura abaixo, onde o Mestre aparecia com outras dezenas de quadrinhistas.
Finalmente chegou o dia do 
Gualberto Costa entrevistá-lo no "Sábados das Artes Gráficas", saí de Campinas, mas só cheguei a tempo de lhe dar um abraço.
Foi um grande abraço!
A última notícia que recebi foi através do cartunista 
Edsondias Dias, que falou da dificuldade que o Jayme estava tendo, com os frilas e com a saúde.
Um artista deste quilate...
Deixa muita saudade."
Bira Dantas, cartunista, quadrinhista, ilustrador e amigo de Jayme Leão.

08 outubro 2016

J. Jorge Amado e o esparro na Bahia

Uma das formas mais recorrentes de humor nesta terra achada por Cabral é o emprego de frases de duplo, às vezes triplo ou quádruplo sentido. Aqui no Nordeste, então, nem se fala, temos um arsenal delas que são largamente utilizadas em nosso afrobaiano cotidiano. Nessa coisa de frases de sentido duplo, muita vez o que parece ser uma indagação singela, inocente e despretensiosa camufla uma outra que é puro veneno, malícia, sacanagem. Revelado o logro verbalizado só resta rir junto sem chiar nem espernear. Senão invariavelmente alguém irá dizer que você está louco de raiva. Captou a dubiedade? Tais perguntas, anexins ou mero comentários são batizados aqui na Bahia de esparro e tem há séculos importante papel na nossa cultura oral, apesar de seu tom fescenino e de escracho total que não respeita regras ao utilizar-se do obsceno. Certamente por isto ninguém tivesse ousado até agora colocar o esparro em um livro como o fez o escritor João Jorge Amado em seu livro Lá ele! (o esparro na Bahia), pela Publit Soluções Editoriais. Nele João Jorge prestou um serviço sério aos bem-humorados deste país, coletando, selecionando, analisando e explicando o esparro. Doravante todos, incluindo você que não teve a imensa fortuna de nascer neste afrobaiano torrão, poderão dialogar com qualquer autêntico soteropolitano sem correr o risco de cair em quaisquer esparrísticas armadilhas verbais. Principalmente você, que chegou há pouco de fora. Captou? Captou?
Para conseguir seu exemplar do livro joãojorgeamadiano com ilustrações setubalescas, acesse o site da Publit: http://www.publit.com.br