27 janeiro 2020

Wilhelm Reich, o nazismo, o fascismo, os EUA, o Brasil, o sistema que busca aniquilar os divergentes.

WILHELM REICH, PRISÃO E MORTE NOS EUA. 
Sobre o psicanalista e cientista natural antifa Wilhelm Reich, dizia o analista de Bagé, criação do escritor Luís Fernando Veríssimo: "Reich? Reich para mim é véspera do escarro!". Ainda que provoque sonoras gargalhadas, tal frase pode soar rude aos ouvidos mais refinados. Mas ela tem lá sua poesia, fazendo lembrar os versos de Augusto dos Anjos que dizem que se faz imperioso retribuir um beijo com um escarro. Sendo o analista de Bagé, "um freudiano de carregar bandeira, mais ortodoxo do que rótulo de Maizena e pijama listrado", não era de se espantar tal opinião emitida. Comecei o texto citando o personagem de LFV, buscando amenizar um pouquinho as coisas, vez que a vida de Wilhelm Reich, nascido em 1897 em Dobzau - hoje norte da Ucrânia, à época território do Império Austro-Húngaro - não foi exatamente um mar de rosas, do nascimento até sua morte. Reich foi um pensador de idéias fortes, que jamais abriu mão de suas idéias, muitas expressas através de livros que escreveu, tais como A revolução sexual e O combate sexual da juventude, A psicologia de massa do fascismo e Análise do caráter. Ele foi um dia colaborador de Sigmund Freud, mas rompeu com o "pai da psicanálise" por contestar conceitos dele dos quais discordava frontalmente. Tinha idéias próprias, por exemplo, sobre a função do orgasmo, idéias para os quais a psicanálise freudiana parecia não estar preparada, originando a dissidência. Reich preferiu prosseguir na elaboração de suas teorias e conceitos próprios, sempre dotados de um olhar novo, revolucionário. 
Como homem político, Reich não deixou por menos. Com a força de suas idéias combateu o nazismo e o fascismo, sendo perseguido com ferocidade. Para um homem dotado de extrema inteligência, uma visão clara e acurada como a dele, ficava fácil perceber o atroz e nefasto engano da população alemã e de países outros que acreditaram nas pregações do nazismo e do fascismo, enxergando neles a redenção para suas pátrias e povos. Tal clarividência é sempre um fardo pesado, doloroso de carregar e ele sofreu por enxergar tão claramente a cegueira popular e a que tragédias essa cegueira conduziria. Reich, no Brasil atual, sofreria em dobro tais dissabores vendo as enormes multidões de cegos caminhando com um sorriso nos lábios e a passos largos para um precipício de profundezas abissais, convictos que seguem a senda correta e que estão salvando a nação brasileira e a si próprios. Sofrendo a perseguição que sofreu, Wilhelm acabou sendo expulso pelos nazi-fascistas. Acabou indo morar naquela que se denomina "a pátria da liberdade", os EUA. E é aqui que tudo se converte em tragicamente irônico, dolorosamente irônico. Por suas idéias revolucionárias lá nos States ele também foi contestado e perseguido pelo chamado sistema que, sabemos bem, é inflexível com cidadãos considerados um estorvo, uma pedra no sapato, um obstáculo ao seus interesses pessoais mas que dizem interesse público. Para comprovar isto nem é preciso ir longe, basta olhar os fatos incrustrados na História deste auriverde torrão dito varonil, a passada e a recente. 
Falei em ironia e em tragedia porque dá-se que o psicanalista e cientista Wilhelm Reich, tido como um mais que inconveniente estorvo por tiranos dos governos nazistas e fascistas, terminou sendo preso, julgado e condenado pelas leis dos EUA. E se os psicopatas nazistas e fascistas, inimigos das democracias, não o mataram, os norte-americanos, que alardeiam serem os EUA a Pátria da Democracia, a terra da Liberdade, se incubiram de desempenhar esta abominável ignomínia. Reich foi encarcerado pelas leis ianques findando por morrer em uma cela na Penitenciária Federal de Lewisburg, na Pensilvânia. Por determinação das autoridades dos EUA, seus livros e instrumentos de pesquisa foram destruídos, no melhor e mais irretocável dos estilos tirânicos e totalitaristas. Suas idéias, no entanto, seguem vivas através de seus livros e de suas frases lapidares como esta: "A própria existência de um movimento fascista constitui uma expressão social indubitável do imperialismo nacionalista. Mas é o movimento de massas da classe média que possibilita a transformação desse movimento fascista num movimento de massas e a sua subida ao poder que vem cumprir a sua função imperialista. Somente levando em consideração estas oposições e contradições, cada uma de per si, é que se pode compreender o fenômeno do fascismo." Ler isto chega a dar arrepios, pois Reich parece estar descrevendo em minúncias o momento tormentoso que atravessa o povo de um certo país localizado abaixo da Linha do Equador.
Este retrato de Reich que ilustra a postagem foi feito por mim para o caderno cultural de um matutino. Intrepidamente, esbocei-o com lápis 2B sobre papel Canson 120 g. A arte-final foi feita com caneta nanquim e uma mais que prazerosa tinta aquarela.
(151218)

Apaches do Tororó, Buck Jones e todos blocos de índios do carnaval da Bahia

Nos anos 70 morava eu em Sampa quando resolvi me autorrepatriar para a Bahia depois de naquela época haver provado embevecido a magia incomparável do carnaval de rua desta Soteropéia Desvairada. Digo e redigo, há aqui nessa afrocity um povo cuja alegria ultrapassa todas as divisas, que é festeiro e que adorar rir, dançar e amar como nenhum outro, sendo que o carnaval de rua sempre foi sua delirante apoteose. Ah, tempos houve em que este carnaval era verdadeiramente popular e não um produto que ávidos empresários vendem embalado em abadás que, a julgar pelo preço cobrado, devem ser confeccionados em fio do mais puro ouro. E muita coisa mudou desde que certo dia os políticos incubidos de administrar esta afrourbe viram no carnaval e nas festas de largo a possibilidade de lucros fantásticos e trataram de estabelecer novas regras na organização do carnaval, o que alterou profundamente as coisas, barracas perderam todo seu charme popular, foram padronizadas, a diversidade foi sendo esvaziada e entrou em cena uma intragável exclusividade para o fabricantes de cerveja que mais pagasse, suprimindo dos foliões o direito de escolher a marca de cerveja a ser bebida.
Mister se faz dizer que naquela libertária década de 70 o carnaval de rua da Bahia tinha seu início ainda pelas manhãs, sempre ensolaradas, e o melhor da festa se concentrava na Praça Castro Alves. Ali se misturavam gentes famosas e os anônimos, vendedores, foliões, héteros, gays, brancos, negros, mulatos e gringos, sob sol ou sob chuva, suor, cerveja e muita Maria Joana sob o olhar cúmplice do Poeta da Abolição ali esculturado e é ali da mão do poeta que o sol se levanta e a lua se deita na côncava praça.  Este carnaval baiano e esta ágora Castro Alves fizeram por onde merecer e foram eternizados, celebrizados, perpetuados em uma emblemática canção de Caetano Veloso em que, parafraseando o grande vate abolicionista, Caê retratou os costumes populares da época dizendo ele que "a praça é do povo como o céu é do avião". Ouvi e achando pertinente o dito, tratei de descolar espaço cativo na renomada ágora. E em um belíssimo dia desses anos 70, lá estou eu na Praça Castro Alves onde, aboletado em elevado, disputado e privilegiado cantinho à guisa de camarote, espero a passagem de trios e blocos. Eis que alguém brada: "Évem os Apaches do Tororó!" Será que ouvi direito? Ouvi e fico sabendo que o Apaches é o primeiro bloco que surgiu no carnaval da Bahia com a nobre intenção de merecidamente homenagear o povo indígena. Frise-se que por um desses insondáveis mistérios dessa afrocity Soterópolis, os blocos índios nunca foram de homenagear Pataxós, Tupis, Bororós, Guaranis, Xavantes ou qualquer outra tribo indígena da Bahia ou da circunvizinhança e sim os índios norte-americanos tais como Apaches, Comanches e Sioux que aqui só davam as caras nas telas de cinema e das TVs. Ou seja, em matéria de cacique, sempre estiveram mais para Touro Sentado que para Juruna. Percebo, quando se aproximam, que portam os adereços indígenas que Hollywood nos mostra: mocassins, penas, elegantes cocares, indefectíveis machados, rostos com alguma pintura. Com uma substancial diferença: os pele-vermelhas que vejo são em verdade todos de cor negra retinta, o que deixaria em pé a vasta e fulva cabeleira do General Custer. Isto também deve explicar os cliques incessantes das máquinas fotográficas dos gringos à minha volta. Antes que algum solícito antropólogo me esclareça as ideias, um novo arauto anuncia: "Évem Buck Jones!" Pronto. Este eu conheço, é colega de Tom Mix, Gene Autry, John Mac Brown, Tex Ritter, Monte Hale, Ken Maynard, Rocky Lane e Roy Rogers. É cowboy genuíno e certamente a porrada vai comer no centro com a indiada azeviche. Qual o quê. O Buck Jones em questão me explicam que é o nome do cantor da Banda Mel cujo trio se avizinha. Mas como nessa afrocity o inusitado é corriqueiro, fico na minha imaginando que a qualquer momento alguém vai bradar: "Évem John Wayne!" E ao invés do Duke, quem de fato advirá no cenário da praça montado em empinante corcel não será nenhum tipo ariano de zoim azu, mas um macunaímico Grande Otelo ou um glauberrochistíco Mário Gusmão. E as hostilidades de praxe mostradas nas telas darão lugar a confraternizantes abraços entre Apaches, Comanches, Sioux, Pataxós, Gês, negros, brancos, mulatos, cafusos, mamelucos, teutos, sinos, lusos, anglo-saxões e quem mais vier, pois nesta terra, malgrado um indesejável magote de canalhas, é infindável nossa capacidade de amar e inexaurível é nossa alegria de viver.
(020210)

José Luiz Torrente: um fascista contra homossexuais e a serviço dos cidadãos de bem da Espanha e do Mundo.

Quem quiser saber quem é e do que é capaz José Luiz Torrente Galván, ex-agente policial, um fascista, franquista, xenófobico, misógino, homofóbico e racista, entre outros lamentáveis pendores, basta ver esse vídeo assaz significativo postado abaixo. Nele, Torrente dá mostra de como ser uma pessoa assustadoramente grosseira, inconveniente, agindo com total falta de princípios morais, bom-senso, ética e etiqueta. Como isso fosse pouco, Torrente, esse fantástico anti-herói - magistralmente interpretado no cinema pelo notável ator espanhol Santiago Segura - dá uma demonstração definitiva de como não se deve portar um agente de segurança a bordo de um avião cheio de passageiros e também de tudo que não deve ser feito quando populares estão em situação de gravíssimo perigo. Perto do poder de destruição de Torrente, Átila, o Huno, era um escoteiro inofensivo, tímido e mui bem comportadinho. Quem gosta de boas comédias e ainda não conhece o personagem e muito menos já assistiu um dos seus cinco filmes dirigidas por Segura, que trate de procurar em locadoras - se é que ainda existem - ou na sempre mui providencial internet. Humor inteligente, riso farto, gargalhadas gerais, diversão garantida.

(040317)

25 janeiro 2020

Biratan, um cartunista com nobre sangue indígena.

Biratan Porto! Grande Bira, paraense dos bão! Em suas veias corre legítimo sangue papa-chibé, o que está mais do que na cara, basta olhar seus olhos amendoados que ele herdou de seus nobres antepassados indígenas. Amigo queridíssimo, Bira é um virtuose no bandolim e - en passant - um dos cartunistas mais premiados neste globo terrestre nos Salões de Humor destas e de outras plagas. Curto fazer caricaturas dos amigos dos quais mais gosto. Biratan é um destes, amizade de longa data que a distância jamais fez diminuir. Nas vezes que calha da vida nos possibilitar estarmos juntos em um elevado tête-à-tête, lançamos mão da sapiência de bater papos saudáveis regados com algumas cervejotas que ninguém aqui é nenhum Tony Stark, o tal Homem de Ferro da Marvel Comics, que por determinações médicas não pode sorver quaisquer líquidos, pois se enferruja à toa, à toa. Fiz esta homenagem em dose dupla, que é o jeito que Bira gosta de sorver seus etílicos. Se quiser ver humor de qualidade feito por um grande Mestre dos cartuns, quadrinhos e crônicas, clique aqui neste link: http://biratancartoon.blogspot.com/
( 290312)

24 janeiro 2020

Flavio Colin, o Mestre dos Mestres das HQs, comentando os desenhos de Setúbal.

Indômito e estoico, o decidido coração do explorador o leva a penetrar intrepidamente na imperscrutável selva que no seu emaranhado interior mortais armadilhas oculta. Na jângal de nigérrima escuridão e insondáveis mistérios penetra ele com invulgar destemor, sem quaisquer hesitações. Este explorador de quem falo sou eu, leitores. Esta selva, o espaço desorganizado de um quarto de meu larestúdio, em que se amontoam livros, revistas, discos de vinil, papéis com bosquejos, debuxos, rafes, layouts, rabiscos e estudos, lápis, canetas nanquim, pincéis, tintas a óleo e acrílicas, um bolachão do Manezinho Araujo, uma fita cassete com uma coletânea do Odair José, um CD do Bola de Nieve, outro com trilhas sonoras de filmes de Almodóvar, um poster mostrando Chavela Vargas e Atahualpa Yupanki, uma revista O Cruzeiro com Carmen Miranda na capa, uma figurinha carimbada do Flávio Minuano com a camisa 9 do Corinthians e incontáveis recuerdos de Ypacaraí. Toda sorte de objetos de formas, tipos e procedências se acumulam nessa mui densa selva em que os intrépidos irmãos Villas-Bôas não ousariam adentrar, temerosos. 
Tais temerárias atitudes de minha parte por vezes são altamente compensadoras. Muita vez meu peito experimenta a alegria de um velho arqueólogo que, após décadas de intensa procura, finalmente descobre milenares tesouros de um faraó. Isso se dá quando encontro algo que, estando perdido no meu caos doméstico, ressurge diante de meus olhos, materializa-se em minhas mãos. Como esta carta que um dia, no anno Domini 1998, enviou-me o inimitável, o inigualável, o incomparável Flavio Colin, meu ídolo desde que, ainda um guri, comecei a ler histórias em quadrinhos. 
Não conheci Colin pessoalmente, só grahambellmente, em longas conversas, principalmente sobre quadrinhos. Enviei a ele livros e revistas com desenhos meus e de amigos aqui da Bahia. Nos papos, Colin mostrava-se um homem culto e politizado. Sendo cortês, não deixou de escrever-me e o fez de forma alongada, falando de coisas que denotavam seu pensamento de profissional e, indo além, de forma espontânea teceu comentários sobre meus desenhos. Nada de teclados, notebooks, e-mails, o que Colin escreveu sobre meu trabalho foi escrito pelo mesmo punho que desenhava aquelas maravilhas todas que fizeram feliz minha existência de voraz devorador de gibis, álbuns, revistas de quadrinhos. Suas palavras foram e são para mim uma grande motivação. 
Considero que meus desenhos são meras garatujas diante da arte maior de Colin, mas ele, vendo meus trabalhos nos livros e revistas que lhe enviara, gostou e se motivou a me escrever, inflando meu ego, fazendo meu peito estufar preenchido pelo mais lídimo, justificável e salutar sentimento de orgulho. Determinam as regras do mais elevado e ético comportamento humano que uma pessoa assim laureada, porte-se com dignidade, com elevada modéstia, de maneira nobre, de forma serena, contida, reservada, sem ostentação. Pois faço saber que nesse caso mando uma banana para a modéstia e outra para sua irmã caçula, a discrição. Uma honra dessas não se acha por aí, aos montes, dando sopa pelas ruas, becos, ladeiras, vielas, veredas, ágoras, alamedas e bulevares, e não serei eu quem irá encobrir com o diáfano véu da falsa modéstia o irrefreável orgulho que sinto pelas palavras do Mestre Flavio Colin:
"Caro Setúbal:...
...Gostei e admirei especialmente "ABC da Guerra do Absurdo". Sem bajulações e sem salamaleques, considero suas ilustrações belíssimas. Um trabalho realmente primoroso. Vou guardá-lo com todo o carinho. Espero que você alcance êxito, não só profissional e financeiramente, para que possa expor todo o seu potencial artístico e viver do seu talento com a segurança e a dignidade que bem merece. aguardo novos trabalhos seus. Abração do Flavio Colin."
200817

17 janeiro 2020

Lage, cartunista e caricaturista maior, tinha lá seus pecadilhos.

O cidadão soteropolitano Hélio Roberto Lage era um formidável arquiteto, merecidamente graduado e de muita competência. Poderia levar uma vida digna com essa sua edificante profissão. Ao invés disso, preferiu seguir os conselhos de algum anjo torto, desses que vivem na sombra, e foi ser cartunista na vida. Um cartunista maior. Munido de seu talento gráfico, elevada consciência política, presença de espírito, invejável sagacidade, a alma plena de um transbordante humor, lá ia Lage para a redação do jornal em que trabalhava e traçava charges impactantes, cartuns demolidores, caricaturas que desnudavam os políticos mais infames. Isto não é pouco e ele odia parar por aí, bem que poderia. Mas quem disse que ele parava? Pois é chegada a hora da verdade e a verdade tem que ser dita: Lage não conduzia a profissão que exercia com a devida seriedade e sempre foi um cartunista metido a engraçadinho. Ao invés de se portar de forma séria, como sói acontecer aos profissionais que têm consciência do dever de ofício, tinha ele o reprochável hábito de viver fazendo piadinhas em seu ambiente de trabalho e mesmo fora dele. E ainda as desenhava, como agravante. É abalado e até profundamente traumatizado que aqui deponho que, de forma recorrente e impiedosa, fui habitual vítima dessas suas gracinhas sem graça das quais todos achavam a maior graça, menos eu, a inerme vítima desses motejos gráficos. Desde 1981, ano em que muitos dos leitores desse bloguito sequer haviam nascido, guardo comigo, cheio de mágoa e ressentimento, essa caricatura que ora posto, da lavra de um sujeito que se dizia meu amigo mas que retratava-me de maneira injustificavelmente sórdida, impiedosamente abjeta. Desconfio que ele era movido pela mais infame das invejas, pois sabendo-me um cara de físico apolíneo, um Adônis, um invariável escopo da concupiscência feminina, Lage traçou de mim esta caricatura em que ele subverte tudo, colocando meu avantajado peito de remador no lugar da minha barriga tanquinho, delineada em incansáveis e espartanas malhações. Mas Zeus é grande, Zeus é pai e sempre sou atendido quando rogo aos deuses do Olimpo cartunístico que eles, lá do seu sacrossanto empíreo, enviem-me forças para seguir em frente e suportar tantos e tão desmesurados infortúnios movidos pela mais abjetas zelotipias e as mais hediondas invídias.
(140712)

14 janeiro 2020

0 Instituto Cultural Brasil-Alemanha, Roland Schaffner, as Artes e os anos de chumbo na Bahia.

Usando de seu glamour e poder de convencimento o cinema norte-americano sempre aculturou populações inteiras mundo afora incutindo nas mentes das pessoas o padrão comportamental e os valores lá deles. Coisas boas nos chegavam pelos celulóides mas  também nos vinham, sutil ou abertamente, ódios raciais, visões estereotipadas e preconceitos contra povos que os financiadores deste cinema made in USA julgavam serem impecilho contra a sanha imperialista dos States. Não é por acaso que ao ouvirmos o nome Alemanha muitas vezes nos venha à mente, qual uma ideia fixa, a cruz quebrada do nefasto nazismo. Como se cada cidadão teuto fosse um execrável nazista em potencial. Bom, atualmente em várias partes do mundo - aqui mesmo neste país tropical - não são poucos os que almejam ver de volta o nazismo com toda sua tirania. Pois sucede que na Bahia muitas e muitas pessoas, as mais bem informadas, têm para com a Alemanha um sentimento de gratidão eterna. Não só por Schopenhauer, Kant, Nietzsche, Beethoven, Franz Beckenbauer e outros craques tedescos, mas devido a um germânico de nome Roland Schaffner que nos anos 70 dirigiu o ICBA, Instituto Cultural Brasil-Alemanha, uma entidade cultural alemã que não se limitou a nos revelar o melhor da admirável cultura da terra de Goethe e de um interminável lote de brilhantes filósofos, literatos e artistas. Foi muito além disso, irmanando-se com as gentes da Bahia em um tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória de nossas novas gerações em que um magote de equinos engalanados de verde-oliva tomaram o poder e nos desgovernaram por duas tristes décadas. Com seus coturnos pisavam nossos plexos, jugulares e pomos-de-Adão, sufocando-nos e tirando-nos a voz. A meio isto, foi que Schaffner, administrador do ICBA na Bahia, usando de altruísmo, de senso democrático e de muita coragem abriu e deixou abertas as portas do ICBA para abrigar os baianos mais conscientes que queriam escapar do jugo dos imbecis em gandolas, sequiosos de nos impor o que deviámos ver, ler, falar e até pensar. Seus braços truculentos não alcançavam a entidade oficial alemã, seus coturnos sujos de sangue não podiam ali pisar. Invadir o ICBA seria invadir a própria Alemanha. Então ali, naquele autêntico oásis democrático, podíamos ver exposições e também expor sem as amarras da censura em voga no país. Podíamos desenhar, pintar, ver peças teatrais, atuar nelas, ler. E o fazíamos. Líamos, conversávamos, sonhávamos, ríamos, vivíamos. Os ares libertários do ICBA eram os que queríamos respirar nas ágoras de nossa urbe. Da quartelada nefasta dos anos de chumbo nos ficou um país de visíveis castas onde a desigualdade é gritante. Uns poucos nadam em dinheiro e vivem nababescamente e para eles o paraíso é aqui enquanto um contingente de sofredores têm que lutar arduamente fazendo das tripas o coração para conseguir sobreviver. Há um número assustador de gentes que transitam na maior indigência, mostrando a quem queira ver que o país que nos legaram os ditadores é uma fábrica de desassistidos, de desqualificados, de marginalizados sem acesso às escolas, incapacitados para adentrar o mercado de trabalho e poder contribuir para o país. Entre estes alijados, milhões de famílias de onde nascerá aquele guri franzino de sete, oito anos que dentro de poucos dias, com a mente entorpecida pela cola ou pelo crack, meterá uma bala no meio dos cornos do transeunte que retorna exausto de sua faina com uns poucos trocados no bolso. E rezemos, rezemos muito para que este transeunte não seja um de nós. 
E que dizer do panorama nada auspicioso do Brasil atual que não se mostra nada auspicioso? Que é desalentador? Que ceifa nossos sonhos e esperanças? Não. Temos tudo para sermos desesperançados mas não somos. Gente como Roland Schaffner nos mostra que há um modo correto e mais justo e digno de se agir com os semelhantes. Que ética, cônsciência política e social, coragem e altivez podem ser mais que meros vocábulos nas páginas do Aurélio. Que democracia não deve significar a opressão de muitos em benefício de uns poucos. Que para as trevas sufocantes que nos querem impingir a todo instante e de todas as formas, devemos nos unir e, como Goethe, clamar em altos brados: "Luz! Luz! Deixem entrar a luz!"
201009

13 janeiro 2020

O magnífico cartunista Lage e a falta que faz na luta contra o flagelo político que assola o Brasil.

Este texto que reproduzo abaixo é do ano de 2010. Lendo-o, fidelíssimo leitor, você constatará que a economia do Brasil, malgrado os percalços mais renitentes, caminhava muito bem na era Lula navegando em mar de almirante, flanando em céu de brigadeiro. Assim íamos, cheios de orgulho pátrio, garbosos e varonis, antes que, para nos salvar desse calamitoso estado de coisas - segundo alegavam - surgissem em cena, como nossos redentores, políticos corruptos,  banqueiros gananciosos, juízes venais, rentistas inescrupulosos, a sempre falaciosa e manipuladora grande mídia, capitaneada pela Rede Globo, ianques com sua CIA, um magote de entreguistas, igrejas de pastores fundamentalistas, militares com pijamas ao invés das fardas e com pantufas no lugar dos coturnos, batalhões de racistas, misóginos, homofóbicos, nazistas e fascistas, matadores de indígenas e de pessoas sem-teto, levas de "gentes de bem" que não estão nem aí para a injustiça social e a criminosa desigualdade em que estamos atolados e não acham nem um pinguinho que "gente é para brilhar, não para morrer de fome". Enfim um nauseabundo chorume oriundo dos mais fétidos esgotos, de tudo que é extremamente escroto e nocivo ao Brasil e a seu povo, algo que nem os mais delirantes paranóicos vislumbraram em seus delírios. Eu me pergunto como é que pessoas que se creem sensatas e inteligentes se deixaram enredar por tal escória capaz de levar qualquer país do mundo a um retumbante desastre econômico, político e social? Tudo que sei é que numa hora destas os que nos amparam e ajudam a entender as coisas são as pessoas mais equilibradas, lúcidas e combativas, caras assim como sempre o foi o brilhante cartunista Lage, que tanta falta nos faz por seu lápis certeiro, sua pena infalível que hoje não teria descanso diante desta imensa horda de canalhas que se apossou do Brasil e teima em dar à esta nação auriverde o pior dos destinos. 
Eis a mencionada postagem:
"Os números da política econômica relativos ao governo Lula são incontestavelmente muito bons e visivelmente melhores que os de todos os governos anteriores. Ter o FMI como devedor e não mais como credor mostra que a mudança é um fato positivo. Com o bolsa-família inegável é que os indigitados deste país, as gentes das periferias e as suburbanas gentes passaram a comer diariamente mais e melhor, é verdade, mas seu calvario está longe de terminar. São mais de 500 anos de desigualdades no lombo do povo, sofrido povo, em uma sociedade de mentalidade escravocrata onde muita gente quer mesmo é aumentar ainda mais o já existente abismo social, que já é extremamente abissal, fenomenal, colossal. Nada de escolas, nada de assistência médica, nada de moradia e existência dignas. Tudo por conta de preconceitos arraigados e da mentalidade excludente na base do "se pessoas passam fome e não têm onde morar a culpa não é minha" ou "Deus é quem fez as coisas assim como são". E é bom nem falar em certas religiões e seu papel nisto tudo. O fato é que os seculos passam e muitos e muitos brasileiros continuam estagnados como dantes, muito mal acomodados, no fim da fila social sem grandes benefícios nem tratamento digno. Lage, cartunista sempre atento e com aguçada visão política, com seu desenho nos alerta sobre o perrengue que passam tantos brasileiros despossuídos, alijados da condiçào de cidadãos aptos para contribuirem com o desenvolvimento do país, mostrando Lage os excluídos através de charges reveladoras. Lage era retadinho, era preciso e sempre acertava em cheio o alvo visado. Grande, grande, grande Lage.
031110

12 janeiro 2020

Futiból, a grande Paichãu Nassionau, Caetano Veloso e tudu çerto nu Brazil .

Divido a arte que faço entre o escrever, o desenhar, o pintar. Quando desenho faço cartuns, quadrinhos, ilustrações. Quando pinto, por vezes incorporo um pouco, só um pouquinho, do espírito critico que transita pelos cartuns como bem se pode entrever na pintura que ilustra esta postagem construída com tons verde e amarelos tentando dizer que nesta auriverde nação as coisas estão certas, muito certas, tão certas como dois e dois são cinco, como nos versos da canção de Caetano. Também busco inspiração no regional e no cotidiano urbano. Outra temática recorrente na pintura que faço é mesmo o futebol, esta grande passione do povo nada bretão que habita este país afro-luso-indígena, malgrado alguns retumbantes fracassos da nossa seleção, tanto em nossos estádios como em outras praças de esportes mundo afora. E dizer que de 1958 a 1970 disputando Copas do Mundo a seleção canarinho ganhou nada menos que três, das quatro disputadas, deixando os torcedores do mundo extasiados. Tempos de Garrincha, de Pelé e de um batalhão de cracaços que vestiam a camisa do Brasil com raro talento e, sobretudo, com honra, fibra e genuíno orgulho pátrio. Bons tempos, bons tempos!
230110

Deus, o primeiro homem e sua primeira queixa.

Navegar é preciso. Sei disto e, disto convicto, tornei-me um inveterado navegador nos mares da internet, por vezes procelosos, inseguros e sujeitos a naufrágios de nautas incautos. Sou um daqueles personagens retratados nos cartuns, alheios ao mundo ao derredor, que não enxergam outra coisa que não sejam as coisas que vão sendo exibidas no diminuto espaço da tela de seu celular. Uma das minhas razões deste navegar constante é a vontade que tenho de ver antigos e novos trabalhos de desenhistas. Achei há tempos um espaço virtual, o Tinta China, que mostra cartuns e cartunistas, um blog dos pampas que é bom às pampas. E quando estava fuçando, esmiuçando tudo o que via, me deparei com um cartum meu que me valeu há alguns anos premiação no Salão de Humor de Piracicaba. Não tenho hábito de mandar regularmente cartuns para Salões. Falta-me empenho, organização, disciplina e mesmo interesse. Mas um dia resolvi participar e mandei o desenho que ilustra esta postagem, um cartum que foge da temática política tradicional e brinca com um dos grandes grilos que frequentam a cabeça dos homens desde a era das cavernas quando os pitecantropos se engalfinhavam dizendo que seu tacape era bem maior que o do cara da caverna ao lado. Para minha sorte, o júri do Salão era simpático e era competente. Resultou que me premiaram.
No Grafar não há postagens recentes, mas o blog pode ser acessado para quem curte os bons cartuns e cartunistas. Lá há trabalhos muito legais do Canini, uma fera, e feras outras tais como LF Veríssimo, Quino, Jaguar, Edgar Vasques e um mundão de cartunistas gaúchos e não gaúchos, incluindo ate mesmo um genuíno baiano, tal como sou. Para acessar o Grafar e se deliciar com os cartuns que lá se encontram, clique aqui: http://grafar.blogspot.com/
Boas risadas, tchês!
(161209)