24 agosto 2019

Loredano, caricaturista maior / Uns caras que eu amo 4


A maior fera que já vi fazer caricaturas neste planeta azulzinho que habitamos é Loredano, o grande Cássio Loredano. E olhe que há gente muito boa caricaturando mundo afora. No Brasil esta sempre foi uma arte que nos brindou com talentosos artífices. Nas décadas mais recentes ampliou-se o número de caricaturistas notáveis, bons de traço e ideias. Muitos deles são virtuoses nos programas de computação e ali produzem caricaturas esplêndidas. Bom, é fato que se muitos caricaturistas brasileiros evoluíram no aspecto grafico, perderam na essência e estão fazendo um tipo de arte graficamente bonita, sim, mas com um conteúdo político deplorável, para dizer o mínimo. Em verdade, este é um mal que atualmente observado em um certo número de cartunistas e chargistas do Brasil, não se limitando aos caricaturistas deste patropi. Voltando a Cássio Loredano, tive eu - Deus é bom - a grande fortuna de havê-lo conhecido em pessoa durante uma exposição da Fiocruz, no Rio de Janeiro, há bem uns 20 anos. Bebericamos, batemos um papo agradabilíssimo em mesa de bar entre outros amigos desenhantes tais como Amorim e Dil Márcio. E me prestou Cássio uma prestimosa e assaz luxuosa assessoria para que eu pudesse contar ao grupo de cartunistas uma piada sobre lusitanos, com o devido respeito, de maneira politicamente correta, sendo eu um cara respeitador das soberanias nacionais, artigo tão escasso na atualidade. Pelo fato de Cassio Loredano haver morado em Portugal, o acento português que reproduzia em suas falas era escorreito, mil vezes melhor que o meu lusitano sotaque altamente canastrão. Vai daí que, com a caveira cheia dos mais diversos e capitosos licores, eu ia contando a piada e nos momentos em que nela havia a fala de um lusitano, imediatamente eu repassava ao Loredano a incumbência de repeti-la em voz alta aos demais, com o seu impecável sotaque luso, coisa de fazer babar quaisquer Camões, Fernandos Pessoas ou Amálias Rodrigues. Nós e todo o grupo ríamos às escâncaras, não pela piada em si, mas pelo nosso canhestro mise-en-scène, reforçado pelo fato da piada ser contada a quatro mãos. Ou duas vozes, sei lá. Além de ser o gênio da caricatura que é, Cássio Loredano é um gentleman, um cara bem humorado, de bem com a vida, cordato e, nem preciso dizer, inteligentíssimo. Sempre admirei nele seu traço elegante e sua maneira única e original de distorcer, quando o quer, as faces, os corpos de seus modelos e fazer com seu traço mágico uma cirurgia desconstrutiva tal que algumas vezes o nariz vai parar acima dos olhos - como no caso dos escritores Saramago e Nelson Rodrigues aí em cima - sem que se perca a impressionante fidelidade ao rosto, à personalidade do modelo. Os trabalhos aqui postados são antigos e você, leitor, valendo-se da internet poderá se deliciar com um mundo de desenhos loredanísticos outros. Hoje em dia há uma certa tendência das revistas e jornais de só utilizarem vistosos desenhos supercoloridos, executados em computadores nos mais hodiernos programas por aqueles artistas infovirtuosos supracitados. Os editores optam sempre pelas artes executadas através de programas de computaçào em detrimento dos trabalhos que seguem a linha mais tradicional. Mas Loredano - assim como faz Ziraldo e Shimamoto e tantos outros, e como o fazia o genial ilustrador Flavio Colin - usando na maioria das vezes apenas nanquim preto, prova que a verdadeira genialidade está acima de modismos e tendências na ordem do dia. As caricaturas de Cássio Loredano são um deleite, um colírio, um bálsamo para olhos e almas. Pela Europa, onde ele já passou, morou e publicou, há um monte de seguidores seus. Lá, como cá, quem sabe o que é bom fica fã incondicional das  caricaturas exatas de Loredano que, dentre tantos caricaturistas maravilhosos espalhados por este imenso orbe, é aquele que mais me impressionou desde sempre. Axé procê, Cássio Loredano!
( 200813)

Cafezinho na Bahia: a pausa que aquece ainda mais nossos calorosos corações.

 
Quem pensa que pelo fato de vivermos numa ensolarada urbe nós, soteropolitanos, não somos chegados a uma rubiácea quentinha, em muito se engana. Apreciamos, apreciamos e muito, seja dia, seja noite, brasileiros somos. Só que ao invés de sorvermos o cafezinho nosso de cada dia em balcões de bares ou padarias apinhadas de gentes, como sói acontecer em São Paulo e no Rio de Janeiro, preferimos fazê-lo ao ar livre aproveitando uma boa brisa vinda do mar do Atlântico que fica logo ali na esquina. Nós não vamos ao cafezinho - que aqui chamamos carinhosamente de menor ou menorzinho, sendo que o sem leite é singelamente batizado de pretinho. Aonde quer que estivermos, ele é que chega até nós em simpaticíssimos carrinhos de café, coisa da criatividade do proletariado soteropolitano que bolou e que fabrica os tais transportadores do quente e oloroso café acondicionado em diversas garrafas térmicas que nesta afrocity chamamos de quente-frio. E lá se vão pelas ruas, ladeiras, altos, baixos, alamedas, vielas e becos de Soterópolis os carrinhos empurrados pelos seus orgulhosos donos, e é aquele desfile de matar de inveja os imponentes carros alegóricos das escolas de samba do Rio de Janeiro e de Sampa, sendo cada carrinho de café personalizado pelo seu justificadamente orgulhoso proprietário. Este vendedor, aliás, aqui batizamos de café ou cafezinho e assim, respeitosamente, o chamamos quando queremos sorver um revigorante menor. Aliás cada um deles com suas características próprias segundo o gosto estético do envaidecido dono que o vai enfeitando dia a dia. Vale escudo do EC Bahia ou do EC Vitória, adesivos diversos, luzes e o escambau, e aí fica um mais bonito que o outro - alguns até são dotados de som em altura moderada - e neles se vendem ainda cigarros para os incorrigíveis e assaz contumazes, inveterados e renitentes tabagistas. Neles  também se mercam os tradicionais queimados, que é como nós baianos simpáticos e cheios de malemolência, batizamos o que em outros rincões desta vasta Pindorama chamam de balas. Balas para nós são só aquelas que malfeitores, sicários, milicianos e policiais, fartamente e a qualquer hora, despejam pelos espaços urbanos, cada um do seu lado e nós, cidadãos comuns, no meio tentando se esconder e apelando a um dos muitos santos que tradicionalmente são escalados para prestar tais protetores serviços entre nós. Mas enquanto essa galera do mal não vem nos apoquentar, ficamos ali na boa, olhando o mar azulzinho, curtindo uma brisa que nos mitiga a alma e sorvendo com vagar o mais delicioso dos cafezinhos que há neste orbe. Para melhor dar uma ideia do que dito foi, não perdi tempo e esta cena genuinamente soteropolitana aí acima eu fotografei com minha Rolleyflex de tinta acrílica, depois usei um tostão de Photoshop, enquanto bebericava um menorzinho vindo de um quente-frio do carrinho de um cafezinho que passava assobiando sob minha janela.
(25/04/14)

17 agosto 2019

Todo baiano é um Dorival Caymmi.

A imagem que muita gente no Brasil guarda dos baianos é de um sujeito folgazão, deitado numa rede, morena do lado, voz de estentóreo timbre que entoa canções do mar, um oceano azulzinho pela frente, olhar de pura  indolência e corpo pleno de malemolência. O estereótipo é um, a realidade bem outra. O fato é que neuroses e fobias não são privilégios de paulistas, gaúchos e cariocas ou de qualquer outro cidadão deste imenso país, vez que nós, baianos, somos igualmente neuróticos como qualquer outro vivente normal. Ou anormal, veja você aí, atilado leitor. Acontece que eu sou baiano, acontece que ela não é, quer dizer, por aqui temos a fortuna de possuirmos nas paredes da nossa etnologia índio-afro-lusa, mui ricamente emoldurado, um retrato de Dorival Caymmi, cujo modus vivendi tão invejado por tantos e tantos muitíssimo ajuda a fazer as pessoas pensarem que nós, soteropolitanos e baianos em geral, somos uns seres humanos fora do catálogo, de bem com a vida 24 horas por dia, sete dias na semana, 365 dias por ano. Ou mais que isso. Por uma imagem que tantos compatriotas invejam, direciono a Caymmi, a minha mais que completa admiração e justificada gratitude. Ah!, e esta caricatura aí em cima, pequena homenagem que faço a este formidável Buda Nagô, que se fez eterno através de suas dulcíssimas composições.
(30/04/2014)

José Cândido de Carvalho e seu magnífico romance O Coronel e o lobisomem

Sempre que posso, releio "O coronel e o lobisomem", de José Cândido de Carvalho. Ou ao menos parágrafos que costumo marcar a lápis, quando gosto muito. E cada releitura, acreditem, é plena de renovada emoção, enlevo e contentamento. Tudo neste livro é maravilhoso e pra mostrar, reproduzo aqui um trechinho que dá uma boa mostra de como José Cândido constrói com rara maestria sua literatura feita de brasilidade, magia e encantamento: "Olhei em derredor. Um fogo de labareda, de cambulhada com um bater de patas, vinha do aceiro. Era o Diabo em seu trabalho nefasto. Pois ia ele saber quem era o neto de Simeão, coronel por valentia e senhor de pasto por direito de herança. Sem medo, peito estofado, cocei a garrucha e risquei, com a roseta, a barriga da mulinha de São Jorge. A danada, boca de seda, obedeceu a minha ordem. O luar caía a pino do alto do céu. Em pata de nuvem, mais por cima do arvoredo do que um passarinho, comecei a galopar. Embaixo da sela passavam os banhados, os currais, tudo que não tinha mais serventia pra quem ia travar luta mortal contra o pai de todas as maldades. Um clarão escorria de minha pessoa. Do lado do mar vinha vindo um canto de boniteza nunca ouvido. Devia ser o canto da madrugada que subia."
************Ilustração feita no Photoshop com o mouse do PC / Arte que se reparte
(10/10/14)

10 agosto 2019

José Luis Torrente, um símbolo incontestável da masculinidade contra o homossexualismo.

Dentre os infindáveis estereótipos que estamos habituados a ver em cenas de filmes norte-americanos está aquele em que dois policiais com a missão de patrulhar as ruas da cidade estão no interior de sua viatura, curtindo aquela calmaria que costuma anteceder os grandes conflitos, conversando amenidades e saboreando com volúpia enormes e deliciosos donuts, que são uma espécie de rosquinha ianque com variados recheios e coberturas transbordantes de caldas com muito açúcar. Na ótima série de comédias do cinema espanhol em que o ator Santiago Segura interpreta o anti-herói José Luis Torrente, um agente policial franquista, racista, machista e fascista, xenofóbico e homofóbico, essa famosa cena é um tanto diferente. Enquanto está com um outro policial dentro de um carro, apatrullando la ciudad ou montando campana em alguma investigação, sob o pretexto de relaxar das tensões da vigília e passar o tempo que monotonamente se arrasta, Torrente propõe ao colega que ambos se masturbem de forma mútua. Os já iniciados nessa práxis topam na hora e partem logo para a punhetística parceria, certamente por acharem isso muito mais interessante que ficar se lambuzando com os tais donuts. Já os policiais novéis nessa prática de onanismo em dupla, relutam diante da proposta, alegando que isso não é coisa que fique bem entre dois sujeitos héteros, mas acabam cedendo diante de um argumento definitivo de Torrente que afirma que tudo é feito observando o respeito às mais ortodoxas normas do machismo. Enquanto cada um manipula freneticamente la polla alheia, ou seja, o membro, a piroca, a verga do outro, percebendo que seu parceiro deixa escapar longo e sonoro gemido de prazer, Torrente, resfolegante, em bom espanhol o adverte: ”Sin mariconadas! Sin mariconadas!”.
(091218)

Deus e o dom do caricaturista



Parte do meu ofício consiste em fazer caricaturas ao vivo de simpáticas gentes as quais nunca vi mais obesas ou mais esquálidas. As pessoas geralmente adoram participar de eventos que contem com caricaturistas. E ao me verem empunhar o lápis e da virginal brancura do papel fazer surgir a figura de alguém que posa, deixam escapar aquilo que certamente todos os caricaturistas ouvem também: "É um dom!" Como se um querubim a serviço do Criador - ou Ele próprio - tivesse tocado a testa de cada um de nós e nos legado o tal "dom" que nos diferencia dos demais mortais. Longe estão de imaginar que faço - e certamente a maior parte dos caricaturistas o faz - um extenuante e repetitivo esforço para tentar estabelecer uma relativa intimidade com a arte de bem desenhar. Cotidianamente gasto resmas de papel rabiscando, esboçando, bosquejando, debuxando, hachurando, traçando, fazendo, refazendo, corrigindo. Chega a ser algo obsedante. Comecei a fazer caricaturas ao vivo nos anos 80, empurrado por Gonzalo Cárcamo, um chileno com cara de abastado sheik árabe que morou nesta afroterra. Com ele aprendi também o método profícuo e agradável de unir intenso treinamento artístico com o lazer. Munidos de prancheta e papel lá íamos nós para as praias, locais onde encontrávamos à disposição um batalhão de modelos, muitos inertes deixando-se tostar pelo sol. Banhistas, vendedores, adultos, crianças, anciões, núbios, sinos, arianos...uma festa. Aí, discretamente, enquanto se bebia umas cervejinhas e se comia uns caranguejos e lambretas, íamos produzindo estudos e mais estudos da figura humana ao vivo. Até hoje, já sem a companhia de Cárcamo que agora mora em Ilhabela, SP, sigo o método com empenho. Isto, via de regra, resulta em uma natural evolução do desenho e uma maior segurança no traço. Em sua quase totalidade as pessoas soem ignorar todo este esforço e esta dedicação ou até mesmo optam por não acreditar neles, preferindo atribuir tudo ao que chamam de "dom ", o que nos faz sermos vistos com imerecida aura divina. Já não tento demover ninguém deste equívoco, ajeito a indevida auréola sobre minha cuca, pego minha velha pranchetinha, meu prosaico lápis e vou à luta.
Ilustro esta postagem com alguns dos desenhos para estudos que fiz na praia de Jaguaribe, próximo à Itapuã. 
(021113)

01 agosto 2019

Beijo roubado // Setubardo 7

Um beijo roubado
Quando consumado
Furta fôlego, rouba voz.
Não é completa maldade
Sói haver cumplicidade
Entre vítima e algoz.
(200909)

Infância nada infantil.

Dando uma bola, cheirando cola, mandando bala. 
Retrato 3 x 4 da infância de certa camada população brasileira. Fotografei com minha Rolleyflex acrílica que revelou esta enorme ingratidão social.
(300510)