07 dezembro 2020

Woody Allen visita a Sagrada Colina do Bonfim, na Bahia.


Sempre estoico e diligente, jamais sorumbático ou macambúzio, invariavelmente lépido, fagueiro, viril e altaneiro, dirijo-me no rumo da sagrada colina do Bonfim trajando brancas vestes como pede a última sexta-feira do mês aqui em Soterópolis, afrocity urbe capital desta afroBahia. Envergando inconsútil túnica, lá vou eu para a igreja agradecer graças alcançadas a Nosso Senhor do Bonfim, Oxalá, nosso pai maior. Mal começo a subida, ouço às minhas costas alguém gritar meu nome: "Paulôôôôu!" Meu apurado ouvido de globetrotter e cidadão do Mundo experimentado reconhece o sotaque de Manhattan. Mas não reconheço a figura que me apela envergando caro e classudo chapéu panamá, uma medida do Bonfim no pulso esquerdo. Aproximo-me. Aquela tez alva, aquelas sardas no rosto, aquele cabelo ralo, os óculos fundo-de-garrafa não deixam margens a qualquer engano: é Woody Allen. Meses atrás eu estivera em NY e lá estando fui ao Café Carlyle, no Lower East Side, ver uma apresentação de Woody Allen and his New Orleans Jazz Band. No final, um produtor musical, amigo em comum, nos apresentou. A empatia foi mútua, conversamos e rimos muito. Ele então me disse que planejava visitar a Bahia quando arrumasse tempo para tal. Este dia chegou mais rápido do que eu pensava e agora lá está ele em carne (pouca e pálida) e osso (muito) ao lado de sua bela amada coreana, Soon-Yi, que vem a ser uma enteada de Mia Farrow - ex-Sinatra e André Previn - ficando a sino-girl famosa por ter sido um dos vértices do amplamente divulgado triângulo amoroso Woody-Soon-Yi-Mia Farrow. Mia, a despeito de ser uma celebridade, atriz afamada, reconhecida por ser pessoa de atitudes humanitárias autênticas e uma mulher vivida, ao fuçar qual uma noiva neurótica e nervosa, os intocáveis guardados do seu sagrado marido, acabou por descobrir que fora passada para trás. Aí armou um barraco sem precedentes, de deixar as maiores barraqueiras do subúrbio baiano de queixo caído. Minhas amigas me odiarão por isto mas, constatando de perto, estou mais que certo que o dito tímido Woody saiu ganhando amplamente ao trocar a barracante branquela por esta sílfide de tez levemente amarelada e oloroso hálito. Conversar com um intelectual brilhante como Woody Allen exige do interlocutor uma inteligência acima da média, que não tenho, conhecer filósofos e autores diversos. O homem é cineasta aclamado, ator, escritor e intelectual respeitado. Quanto a mim, tudo que sei sobre Proust é que ele vivia chegando atrasado aos compromissos, sempre correndo atrás do tempo perdido. De Goethe, que ele teve a luz cortada por falta de pagamento no fim da vida e pedia aos berros: "Luz, mais luz!". Se ao meu lado ouço alguém pronunciar "Nietzsche", digo logo: "Saúde!" Ainda bem que como soteropolitano tenho lá minhas manhas e quando Soon-Yi vira-se para olhar uns balangandãs, uns panos-da-costa e um sarado negão do Olodum, eu, com um ar vitorioso e com um incontível orgulho lanço não uma, mas duas indagações assaz pertinentes to my pal: "Woody, buddy, aqui entre nós... é mesmo verdade que as mulheres asiáticas, em pé estando, têm a perereca na horizontal?". "Em assim sendo, é fato que ao descerem nuas por um corrimão a sino-perereca emite ruídos tais como tchup!tchup!tchup!tchup!?" Ahá! Aposto que ele não esperava que eu enveredasse por assuntos tão relevantes e de tais grandezas e profundidades. Posso não ser um elevado intelectual mas sei que a humanidade tem dúvidas eternas que desde os primórdios a atormenta, tais como "Quem somos?" "De onde viemos?" "Para onde vamos?", além dessas duas questões que tasquei em cima do meu bom amigo judaico. Ele principia a articular resposta quando uma buzina o interrompe. É a limousine que vem apanhá-lo. De dentro desce um chouffeur a caráter que abre a porta do veículo de onde salta um alucinado agente que, dizendo "We are late!", empurra o casal para o interior da limo. De lá, a bela Soon-Yi e o nada belo Woody me acenam um "So long", um pouco constrangidos pela repentina saída . O luxuoso veículo dá a partida e segue voando. E eu, ao pé da colina sagrada, me quedo sem ter mais uma vez as respostas que deslindariam para mim dois dos mais antigos e intrigantes mistérios da Humanidade.
(040213)