29 janeiro 2023

Holocausto Yanomami, militares, o Brasil e o Mundo


Holocausto Yanomami é projeto militar.

Carla Jimenez,

THE INTERCEPT

Qualquer assunto a ser tratado por esta coluna tornou-se secundário diante das fotografias aterrorizantes que o mundo viu de bebês, crianças e idosos Yanomami em pele e osso, divulgadas na semana passada. Não temos como apagar da retina as imagens de seres humanos desnutridos, cadavéricos, desmoralizados por uma política de tortura, que só havíamos visto em cenas de indigência extrema em países paupérrimos da África, em filmes sobre o holocausto judeu, ou durante seca no Nordeste no século 20. 

O planeta inteiro viu nitidamente como o Brasil comete o genocídio de sua comunidade indígena. O Instituto Brasil Israel comparou o genocídio dos Yanomami com os judeus presos na Alemanha nazista. “Sim, estamos fazendo comparações com campos de concentração. Devemos usar o Holocausto como um exemplo que jamais deve ser seguido. Infelizmente, parece que parte do mundo não aprendeu o verdadeiro significado de 'nunca mais'”, escreveu o IBI.

Nossa bolha bem-informada sabia o que estava acontecendo há muito tempo. Os leitores do Intercept leram em agosto que o governo Bolsonaro havia ignorado 21 pedidos de socorro do povo Yanomami. Jornais como Amazônia Real, O Eco, Repórter Brasil, De Olho nos Ruralistas, Agência Pública e, mais recentemente, Sumaúma, vinham denunciando exaustivamente esse quadro chocante, que inclui os estupros praticados por garimpeiros. Mas as palavras já não são suficientes para alcançar a atenção das pessoas na assustadora era da informação. Nos tempos de multiverso, era preciso enxergar a realidade a cores, com todas as suas texturas e rostos cadavéricos, para que muita gente finalmente compreendesse o que é a tortura e o cinismo do estado brasileiro. 

Especialmente, quando há um mecanismo milionário de distribuição de mentiras em redes sociais, amplificado por parlamentares de má-fé, para apagar a luta dos indígenas e favorecer ruralistas em troca de influência e financiamento de campanhas eleitorais. Vários desses políticos estarão assumindo seus mandatos no Congresso na semana que vem, e é inadmissível ignorar suas digitais neste morticínio: nós sabemos onde vocês estavam no governo passado. Como o senador Hamilton Mourão poderá negar sua conivência, tendo ocupado a presidência do Conselho Nacional da Amazônia Legal por três anos? O órgão foi formado por 19 militares e ninguém da Funai ou do Ibama.

A ditadura militar foi pródiga em dizimar indígenas em nome do "progresso" — o bolsonarismo foi só sua extensão. Há relatos de militares que enriqueceram no passado com o desenvolvimento econômico a qualquer custo, comprando terras na Amazônia a preço de banana. Há milhares de indígenas e quilombolas mortos silenciosamente pelos governos militares que não são contabilizados pela história oficial e, também por isso, o imaginário da "ditabranda" segue firme. 

O povo Wajãpi, no Amapá, quase desapareceu em sua totalidade nos anos 1970, contaminado pelo sarampo, que chegou com madeireiros e garimpeiros. Eram bebês, idosos e crianças morrendo a esmo diariamente. Ouvi esse relato do cacique Kasiripinã Wajãpi em 2017, quando estive em sua aldeia. Emocionado, ele lembrava desse passado triste enquanto denunciava o plano do então governo Michel Temer de abrir a Reserva Nacional de Cobre e Associados à exploração de mineradores, atingindo diretamente as terras demarcadas de seu povo. 

Os Wajãpi venceram aquela batalha. Mas o cacique não resistiu aos anos Bolsonaro e morreu de covid-19 em janeiro do ano passado.

Somos completamente ignorantes sobre nossos ancestrais. Aprendi nos meus tempos de escola (particular) a cantar mais hinos militares, como a Canção do Expedicionário, do que cantigas oriundas da cultura indígena. Foi essa formação que forjou o imaginário brasileiro que legitima os militares como heróis e apaga o sofrimento imposto aos indígenas. 

Gostamos de exibir e destacar a nossa ascendência italiana, portuguesa, espanhola, e escondemos nossas raízes indígenas, ciganas, negras. Qual a diferença entre os brancos que escondem esses antepassados e os negros, como o jornalista Sergio Camargo, o ex-presidente da Fundação Palmares que não reconhecia a história de seus ancestrais?

A memória do morticínio indígena está impregnada não só no Brasil, como nos demais países latino-americanos. Foi a forma violenta como a exploração europeia nos atravessou. Não é uma exclusividade brasileira. A Argentina, o Chile, o Peru e a Bolívia também têm suas divisões de classe, levando os descendentes de colonizadores europeus a se julgarem superiores aos povos originários. Arrisco a dizer que no Brasil é pior, porque a cultura de morte aqui é muito mais aceita do que nos países vizinhos — e o conhecimento indígena está muito mais presente nas escolas e na cultura de países de língua hispânica. 

O governo do PT está fazendo sua parte, mas não é totalmente inocente, com seus Programas de Aceleração do Crescimento e planos de hidrelétricas na Amazônia – como a Usina de Belo Monte, que condenou populações à violência urbana e à contaminação dos rios que antes eram sua fonte de alimento. Foram as contrapartidas entregues às bancadas ruralistas e os falsos cristãos evangélicos. Nada, obviamente, comparável à crueldade da era bolsonarista e sua legião de parasitas. Damares Alves e sua hipócrita cruzada mitômana que o diga. 

Ainda estamos expurgando esses horrores. Não cabe aqui a politização rasa do assunto. Temos uma grave crise de identidade a encarar, e não podemos fugir. Somos nós os cidadãos de segunda classe, e não eles.

17 janeiro 2023

Montaigne, Chico Buarque e o Amor que não pede explicações.

O que faz nascer uma amizade imorredoura? O que move uma paixão desmedidamente extraordinária dentro de nossos humanos corações? O que nos leva a gostarmos tão intensamente de uma pessoa, por vezes tão diversa de nós? Ou a nos apaixonarmos perdidamente por alguém e mantermos com esse alguém um relacionamento que, no dizer do Poetinha, enquanto dura, infinito é. Amigos, parentes, conhecidos e desconhecidos, veem essa relação vivida com olhos de quem assiste a algo em que a lógica se volatiliza e se lhes escapa, algo improvável, indefinível, pleno de estranheza, difícil de ser decodificado, entendido, assimilado. Para desvendar esse mistério, buscando um satisfatório entendimento disso, Chico Buarque - compositor, cantor, dramaturgo e escritor - foi buscar a melhor definição nos ensaios de Michel de Montaigne, o célebre escritor, humanista e filósofo da França, sempre a França. Chico conta em um vídeo que Montaigne era insistentemente questionado sobre o porquê de sua mais que imensa e eterna amizade por outro humanista e filósofo francês, Étienne de La Boétie, cuja morte precoce levou Montaigne a escrever o ensaio “Da amizade”, em que dizia apenas que gostava dele e ponto. Quinze anos mais tarde, revendo o que escrevera, o escritor acrescentou que gostava muito do amigo La Boétie por uma razão: “porque era ele”. Foram precisos que se passassem outros quinze anos para o filósofo fazer um novo acréscimo à frase, completando-a definitivamente: “porque era ele, porque era eu”. Chico entendeu como simples, porém perfeita, a definição dada por Montaigne. Achando que perfeita ela também era para definir a paixão, o amor que sentimos por outro alguém, dela se valeu para compor uma música feita para a trilha sonora do filme brasileiro A máquina, do diretor João Falcão. A essência do que definiu Montaigne está no nome da música: “Porque era ela, porque era eu”. Maravilhoso, formidável Montaigne. Maravilhoso, formidável Chico Buarque.
(040916)

Chico Buarque e Montaigne, a Revista Prosa Verso e Arte e um cronista a caminho da glória.

De modesto nada tenho, acredite. Pergunte aos escritores consagrados que você tem no seu círculo de amizades - se acaso nele transitam alguns - o que os impulsiona a escrever seus romances intrigantes, ensaios elucidativos, crônicas divertidas, açucaradas poesias ou contos dignos de um Dostoievski, de um Liev Tolstói,  de um José Sarney. Numa quase unanimidade, lhe dirão que escrevem para se expressar, para transmitir aos demais o que lhes vai na alma, que a escrita lhes dá sentido existencial, que sem escrever a cuca poderia explodir em milhões de caquinhos. Escribas ainda neófitos diriam algo similar em uma demonstração de elogiável sinceridade. Pois não eu. Escrevo para atingir os pináculos da fama, a notoriedade, o aplauso geral, os holofotes, o tapete vermelho, a admiração incondicional dos leitores e críticos literários. Chás, fardão e cadeira na ABL eu dispenso desde já, do restante não abro mão de nada. Há uma dezena de anos aqui neste blog venho escrevendo textos definitivos sobre assuntos diversos que, somados, perfazem um total de umas cinco ou seis centenas de postagens. Dez anos e, no entanto, quando consulto as estatísticas do blog elas me dão conta de que em uma década inteira minha postagem mais lida é uma insignificância perto da visualização diária dos blogueiros mais lidos deste patropi. Nada sei de marketing pessoal, desconheço quaisquer mecanismos eficazes de promoção de espaços virtuais e não sou um tipo que se empenhe em fazer convenientes contatos sociais, até porque não sou pessoa dada a maiores sociabilidades. 
Todo este extenso preâmbulo foi para dizer que, passada a surpresa inicial, tive a imensurável, agradável e imprevista admiração de ver um texto meu publicado em um espaço visual mais que nobre, voltado para a divulgação do que há de melhor na literatura, crônicas, poesias e artes em geral. Tal espaço visual tem um vastíssimo contingente de leitores que o acessam para ler, ver, ouvir o que há de melhor para ser lido, visto, ouvido. Trata-se da Revista de Prosa, Verso, Arte. Maravilhosamente rica, encantadora, e meu espanto vem do fato de eu ser dela um leitor fiel e de repente, não mais que de repente, sem prévio aviso, ali encontrei um texto meu figurando entre textos belíssimos de consagrados autores. Fico me indagando como eles chegaram aos meus escritos. É vero que não me consultaram previamente solicitando um autorização minha para a publicação da crônica, mas talvez tivessem tentado um contato e não hajam conseguido. O fato é que, ao publicar mesmo sem minha autorização oficial, eles fizeram o certo, mandaram muitíssimo bem. A Revista é um blog voltado para a Cultura e Cultura eu amo, você ama, nós que não compactuamos com o obscurantismo amamos. Pois toda minha autorização digo que foi dada, tanto mais que o estupendo sucesso da Revista, o magnífico conceito de que desfruta e o espantoso número de visualizações que ela tem me deu a alegria de poder constatar que meus escritos foram vistos por um número de pessoas que este meu blog aqui levaria mais algumas décadas para poder igualar. Anteriormente eles exibiam o número de likes das postagens, já não mostram. Na última vez em que ainda se podia ver os likes, dei uma conferida e vi que eles caminhavam para 40 mil, o que significa que o número total de leitores até então pode ter chegado ao dobro disso, quem sabe mais. Havia também comentários de quem leu e o tom de todos era de satisfação com o conteúdo que a postagem trazia. Ah, ia esquecendo, dei à crônica o título de Montaigne, Chico Buarque e o Amor que Não Pede Explicações
Escrevi o texto depois de haver assistido um vídeo em que Chico explica o que o motivara a escrever uma canção chamada Por que era ela, porque era eu. A mais lida das minhas postagens aqui neste meu blog amarelinho não alcança duas mil visualizações. Por aí você pode deduzir que, ao constatar o retumbante e apoteótico sucesso entre os que amam a Cultura que uma crônica minha pode alcançar ao ser veiculada em um blog de incontestável consagração, meu peito se faz inflado do mais justificável orgulho literário. Não, leitor amigo, nada tenho de modesto, tanto mais agora que os tambores rufaram e minha consagração se fez anunciar. Prêmio Camões, Nobel da Literatura e glória literária, aí vai um imodesto convicto.                              O link para a Revista Prosa e Verso e Arte é:
https://www.revistaprosaversoearte.com/montaigne-chico-buarque-e-o-amor-que-nao-pede-explicacoes/