31 outubro 2018

Escribabacas ou Virulências gramaticais que nos impingem os literataços e os sofômanos

No pélago do meu ser trago ocultas um milhão de veleidades . Uma delas é a de ser um poeta, um festejado vate. Não preciso ser um Ruy Espinheira Filho, um Augusto dos Anjos, um Drummond, um Bandeira, que aí é querer muito. A mim basta ser um modesto bardo, quem sabe um Setubardo. Anos e anos de trabalho ilustrando toda sorte de texto para jornais, revistas e livros me possibilitaram a fortuna de manusear e ler em primeira mão originais escritos por quem domina a difícil arte de bem saber escrever. Em injusta contrapartida - hélas, hélas! - também fui obrigado a assistir a um interminável desfile de escribas ilegítimos que se julgam detentores da raríssima habilidade de tratar com intimidade e maestria as palavras. E assim pensando nos impingem um profusão de escritos, invariavelmente alambicados, acacianos e rebarbativos, acometidos que são por deletérios achaques literários que certamente fazem o velho e bom Machado revirar-se no mausoléu qual um irrequieto dançante de hip-hop. O mais das vezes por tais pretensos literatos ignorarem que são portadores de um grave mal, muito comum neste século, de nome científico egoinfladozitis exasperantis, enfermidade que nem sempre é silenciosa, como muitas vezes é estridente. Empunhando impunemente penas, esferográficas e teclados saem por aí de forma inadvertida atropelando o vernáculo, estuprando métricas e sintaxes incautas, violentando as mais inocentes ortoépias. E como mal maior, essas gentes me fazem pensar o impensável e acabam me convencendo que eu próprio tenho o incontestável direito de cometer impunemente prosas e versos e aqui estou eu a escrever sandices inqualificáveis. Tivesse eu o necessário senso de conveniência e guardaria em providenciais gavetas minhas canhestras tentativas de escrevinhar, versejar, sonetar, redondilhar, dando um nobiliárquico exemplo a esses usurpadores de páginas opusculares e gazetais, abjetos invasores dos nossos sacrossantos penates. Mas qual o quê, sou um homem do meu século e não sou dado a nobreza de sentimentos. Se esta gente pode, concluo que também posso, insigne Eça, nobre Pessoa, formidável João Ubaldo, maravilhoso Drummond. Então aqui vou eu com uma pena na mão e pletoras de estultices na cabeça tirando onda de inspirado escriba igualzinho aos inúmeros literataços sem senso de conveniência infiltrados em jornais e revistas. E de quebra hei de perpetrar versos que certamente farão qualquer poeta sensato perder seu norte emocional e entregar uma afiada tesoura a um Doutor, implorando que o dito esculápio lhe corte a sua singularíssima pessoa. Malgrado isso, a julgar por certas figuras eleitas pela Academia e por ela guindadas à condição de imortais, tenho chances reais de conseguir um fardão da ABL.
(20/03//10)

Danusa se recusa e oclusa não se escusa / Postagem no Facebook number 4

I love Paris in springtime. E quer saber, Mr. Cole? Adoro também no summer, no fall e no winter. Vou lá quantas vezes me dá vontade de ir e cada vez gosto mais. Aquela famosa justificativa da Danusa Leão de não querer mais saber de ir a Paris temendo o dissabor de em parisienses logradouros dar de cara com o porteiro do seu prédio, me cheira mais à desculpa esfarrapada de quem está na pior, mal de finanças, lisa, sem plata, money, l’argent. Li que a ex-dondoca, que já teve seus dias de fausto, pompa e circunstância, hoje não tem grana nem para comprar a prestações um desses pacotes de agências de viagens ou para embarcar em um vôo charter mais lotado que qualquer buzu da periferia em horário de rush. Até que eu compreendo o drama da perua, nem todos têm minha profissão de cartunista e a polpuda conta bancária que os cartuns regiamente me trouxeram. Com a fortuna que amealhei, entre outros mimos, adquiri um confortável jatinho para mim. Quando me bate uma vontade de comer pão francês não vou à padaria da esquina, vou à França e lá me farto com o pão francês original, os mesmos que alimentam a Amélie Poulain, a Isabelle Adjani, a Catherine Deneuve. E quando minha libido exige um beijo francês de verdade, é também pra lá que vou encontrar uma certa mademoiselle que em Montmartre me foi apresentada pelo Juarez Machado, sendo ela do tipo mignon com um derrière très jolie de fazer inveja a qualquer mulata bem servida. E é bom parar o papo por aqui porque eis que ele já envereda por rumos periculosos e isso aqui é um perfil de respeito. Au revoir, mons enfants de La Patrie.

1. BOB MARLEY. Papel Opaline, 180 gramas, esboço com grafite B, caneta nanquim descartável, retículas, um quase nada de Photoshop.
2. CANTORA DE CABELO COR DE ROSA. Tinta acrílica sobre tela de 1,50 x 1,00m.
3. CANTORA E MÚSICOS COM CAMISAS VERMELHAS. Tinta acrílica sobre tela de 1,50 x 1,00m.
(11/02/2015)

Brazilian Tequila, Augustus Young, João Ubaldo Ribeiro, a Irlanda e a Bahia.

Augustus Young é um grande, amado e cultuado escritor que nasceu na fria Irlanda. Leitor de muitos livros, ficou conhecendo o Brasil através dos escritores brasileiros que leu avidamente. Entre eles, escolheu como o seu preferido o baiano João Ubaldo Ribeiro. Cativou-o, principalmente, o humor de Ubaldo, as suas ricas e apaixonantes descrições do povo brasileiro com todas suas peculiaridades que tanto o diferem do povo irlandês. Augustus tanto gostou que findou por entrar em contato com João Ubaldo através de amigos em comum. Manteve correspondência com o renomado escritor e estreitou seus laços de amizade para com ele. Um dia, Augustus decidiu dar um tempo no frio da Irlanda e experimentar a sensação de viver em local bafejado por um clima mais caloroso, tropical, e acabou navegando para a Bahia para encontrar-se com João Ubaldo e conhecer de perto os locais e as gentes que passeiam pelas páginas de livros do escritor baiano. Essa sua decisão, suas épicas andanças pelas terras tropicais estão contadas em seu mais recente livro, Brazilian Tequila, cuja capa mostro acima. Uma vez ilustrei para o jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, o texto de um cronista.  Sua crônica falava sobre Ubaldo e seu cotidiano na Ilha de Itaparica, onde viveu e escreveu grande parte de seus maravilhosos textos para livros, jornais e revistas. A ilustração que fiz é a mesma que ilustra esta postagem, mostrando João Ubaldo em uma mesa, às voltas com um apetitoso peixe em uma travessa, tendo à mão um copo de uísque, bebida que tanto apreciava, coisa que deve ter contribuído, em muito, a aproximá-lo do irlandês Augustus, também chegado a entornar um bom uísque e similares. Young teve acesso à crônica, leu-a, gostou e gostou também da caricatura que fiz de João Ubaldo. Quando decidiu publicar seu livro contando sua trajetória por terras da Bahia, Augustus, já de volta ao seu lar na Irlanda, fez contato comigo pedindo autorização para usar a caricatura no livro e eu, que sempre adorei João Ubaldo Ribeiro, tanto como escritor, quanto como pessoa de uma mente lúcida, um cara extremamente culto, um causeur com invejável presença de espírito e elevadas doses de humor, autorizei com entusiasmo a publicação do meu desenho. Passados alguns meses, eis que recebo uma correspondência postada em Paris. Fiquei me perguntando quem seria o remetente, se a Catherine Deneuve, se a Isabelli Adjani. Ao abrir o pacote vi que se tratava de Brazilian Tequila, o livro de Augustus Young, em uma belíssima edição. Uma grande honra para mim poder figurar em um livro seu, Augustus, principalmente falando de um querido amigo em comum, tão talentoso e boa-praça como João Ubaldo Ribeiro. Thanks, thanks a lot, Augustus Young, my friend!                      
***** Pedidos de livros e contatos no e-mail:                                   http://books@troubador.co.uk                                
Site: http://www.troubador.co.uk/matador                
Twitter: http://matadorbooks     

Versos para um anjo bêbado // Setubardo

 Um anjo bêbado/Que eu nunca vira mais gordo/Me viu num bar da cidade/E na maior intimidade/Botou a mão em meu ombro/ - Que assombro! - /E me pediu um cigarro/ - Bizarro! - /Resolvi colaborar/De malandragem eu manjo/Impossível adivinhar/Quando se pode precisar/Da ajuda de um anjo/Dei um cigarro, dei dois/E fui-me embora, depois/Enquanto ele cantava, com a voz do Tim:/"When the saints go marching in..."/Lá no estacionamento/Um novo aborrecimento/Algum pilantra abusado/Levou meu carro rebocado/Mas por sorte encontrei/Pégasus, o cavalo alado/Saltei no dorso do corcel/E falei: "Toca pro céu!"/Ao sair do perímetro/Ele mudou o taxímetro/Botando bandeira dois/É isso aí, minha gente/Já não se fazem alados como antigamente./Na Via Láctea bebi leite-de-cabra/Que não dá ressaca braba/E só pra rebater/Virei uma cachaça crua/Tropecei em Orion/Esbarrei na Nova Lua./Em Alfa de Centauro/Já me sentia um lixo/Meio homem, meio bicho/Sem querer quebrei um copo/Mas saltei e salvei o pires/Pulei sobre um arco-íris/Escorreguei para a Terra/Caí no meio de uma guerra/Um soldado invocado/Me apontou seu fuzil/Foi um puta que o pariu!/Pra tentar me safar toquei um banjo/Foi quando ressurgiu aquele anjo/A quem o cigarro eu dera/Anjos não são pura quimera/Me levou voando a mais de cem/"Ao infinito e além!!"/Logo estava me apresentando/Sua família cativante/Pela irmã do anjo eu pirei/Os quatro pneus arriei/Fiquei doidão, pedi logo pra casar/Hoje moro num Paraíso, ao léu/Vivo com ela no Sétimo Céu/Ando nas nuvens com seus carinhos/Minha mulher é mais que um anjo/Nossa prole, três diabinhos.
(16/03/08)

Silicone à prestação pra ter aquele peitão! / Sexo de graça

13/11/17

Ernest Hemingway, Cuba , literatura, mojitos e daiquiris

Ainda adolescente e estudante da EPA, em Sampa, recebi incumbência de fazer um trabalho sobre o livro "O velho e o mar", de Ernest Hemingway. Dirigi-me à Biblioteca Municipal com intenção de ler apenas trechos do livro para ter idéia do que fazer. Abanquei-me em uma cadeira e iniciei a leitura da saga do velho Santiago, pescador cubano tomado pela má sorte, e à medida que lia fui sendo envolvido pela instigante narrativa de Hemingway e me interessando a cada página para saber o destino que Santiago e seu enorme peixe de cinco metros teriam. Mesmo com os olhos já rubificados eu não conseguia parar a leitura que me puxava para o interior do livro e me colocava no barco junto ao desditado insular em meio a tubarões e procelas. Meus outros compromissos do dia se quedaram esquecidos e li o livro inteiro, de um só fôlego. Aprendi muito com a parábola do homem em luta titânica na busca pela sobrevivência ainda que em condições desiguais. E me tornei grande admirador de Hemingway. Tendo eu um daiquiri na mão direita e um mojito na esquerda, ergo dois brindes ao velho Papa Hemingway, mesmo estando distante de sua La Bodeguita e do seu La Floridita, tão assiduamente frequentados pelo escritor de quem, para ilustrar uma matéria em um periódico, com lápis dermatográfico branco sobre papel fabriano preto, fiz esse retrato do notável escritor que bem sabia por quem os sinos dobram. 

30 outubro 2018

Antonio Conselheiro visto pela imprensa de sua época / Arte que se reparte 5


A ilustração que hoje posto mostra a imagem que a imprensa da época fazia de Antônio Conselheiro, como se pode constatar no livro Humor e Sátira na Guerra de Canudos, da escritora e emérita Professora Lizir Arcanjo Alves que pesquisou a fundo tal página infeliz na nossa História, passagem desbotada na memória de nossas novas gerações. Fiz esta ilustração para o citado livro buscando passar para os leitores a versão dos jornais de uma época em que a República ainda engatinhava. Os jornais, é claro, eram de propriedade de famílias das classes dominantes, e eles buscavam fazer com que as pessoas enxergassem as coisas da maneira que seus mui privilegiados proprietários enxergavam. Gente nada heróica foi galgada ao posto de herói da Pátria, gente que nada devia à lei foi dada como bandido dos piores, tudo para atender a mídia daquela época de antanho. Nesse aspecto, as coisas não mudaram muito nos tempos atuais.  
*** Quanto a esta arte aí no alto, ela foi feita em papel Westerprint 180 gramas, com grafite B, usado para esboçar, e uma providencial caneta nanquim, do tipo descartável, para a arte-final.
(190215)

14 outubro 2018

Na cola do original caricaturista Hanoch Piven, de Israel

Há muita gente boa no mundo das artes. Navegando pela internet é fácil descobrir uma pletora de caras habilidosos pintando, desenhando, fazendo caricaturas. O mais difícil é ser original entre tanta gente de talento incontestável, fazer algo sem conter aquela inconveniente sensação de déjà vu. Dia desses, ao navegar pelos mares virtuais, tive sorte de encontrar o site de um caricaturista muuuuito massa chamado Hanoch Piven. O cara é de Israel, publica em diversas partes do mundo e tem uma legião de fãs. Seu trabalho, que tem aquela aparente simplicidade das coisas geniais, consiste em fazer caricaturas na base da colagem, o que não é novidade,  sendo tais colagens feitas com prosaicos materiais de uso doméstico com os quais consegue um resultado pra lá de original como se pode ver nestas caricas de sua autoria que ilustram esta postagem mostrando Karl Marx, um verdadeiro cara-de-pão, Obama, Einstein e o já macróbio Fidel Castro, quase virando fumaça, como a oriunda do seu puro. Para quem estiver a fim de se deliciar com o belíssimo trabalho deste israelita fera, vai aqui o link para uma mais que agradável visita ao seu site: http:www.pivenworld.com
(Publicado originalmente em 09/11/13)

Hurricane Smith: Não deixe morrer a natureza e este planeta, baby!

Hurricane passou qual um autêntico furacão na vida de quem viveu os anos setentas como eu vivi. Refiro-me a Hurricane Smith, artista que emplacou  grandes sucessos musicais na mencionada década e depois saiu de cena meio que à francesa, embora fosse ele um autêntico britânico. Esta semana eu estava revendo "Toda nudez será castigada", antigo filme de Arnaldo Jabor, baseado em peça de Nelson Rodrigues, e percebi, surpreso, que na trilha sonora do filme a música feita para emoldurar o início da explosiva paixão do casal protagonista é simplesmente "Oh, Babe"("What would you say?") do velho e bom Hurricane. Corri à Net para uma bisbilhotada básica e descobri coisas que me surpreenderam, como por exemplo, que ao invés de um popstar doidão, Smith havia sido por longo período o mais que correto e eficiente engenheiro de som a serviço dos seus conterrâneos ingleses que formavam uma banda conhecida como...The Beatles! O nome de batismo do cara era Norman Smith, seu apelido de Hurricane havia sido posto por ninguém menos que John Lennon devido ao modo de ser de Smith, sempre tranquilão, sem pressa, inabalável, totalmente oposto ao significado da palavra hurricane no vocabulário da terra do bardo Bill Shakespeare. O velho e sempre bom humor inglês não podia faltar no genial John. Vale lembrar que Hurricane Smith sabia das coisas e foi vanguarda em assuntos ecológicos, um dos primeiríssimos a mandar um recado consciente e premonitório sobre a progressiva destruição da natureza pelo homem numa canção de 1971 chamada "Don't let it die" que fazia um alerta aos habitantes deste orbe e os conscientizava dos males que poderiam nos atingir a todos. Essa canção é tão boa que o próprio Lennon a gravou e segue na ordem do dia devido à irresponsabilidade e a ganância de muitos homens que buscam dinheiro sem se importar com as consequências nefastas de seus atos, tão prejudiciais a esse planeta azulzinho. No YouTube pode-se ouvir canções de Hurricane, que faleceu em 2008, na mesma Londres onde nascera. A interpretação de Mama Cass Elliot para o hit "Oh, babe", do carinha, é uma 
belezura. Hurra, hurra, hurra, Hurricane
!
( 07/11/12)

11 outubro 2018

El gran Vázquez: um fantástico cartunista da Espanha e o filme sobre sua vida e criações.

 El gran Vázquez é nome de um filme de 2010 do cineasta espanhol Óscar Aibar. A película se baseia na vida - por sinal, bastantíssimo atribulada - de um dibujante de historietas, mais exatamente um historietista cómico español, ou seja, um retumbante e altaneiro desenhista de histórias em quadrinhos da Espanha, cujo nome era Manoel Vázquez Gallego. Segundo consta, Vázquez nasceu em Madrid em 24 de janeiro de 1930, sendo filho de pai espanhol e de mãe brasileira, vá vendo você como são as coisas nesse planeta azulzinho que habitamos. Essas atribulações da sua vida eram motivadas em parte por suas muitas dificuldades econômicas que faziam com que o bravo dibujante contraísse dívidas e mais dívidas e constantemente tivesse um monte de cobradores em seus calcanhares e ele tinha que ser mais escorregadio que sabão para escapar dos insistentes sujeitos. Vázquez não era viciado em drogas ou em qualquer tipo de jogo de azar, suas dívidas vinham do fato dele não se conformar com as limitações impostas pelos seus parcos ganhos como desenhista e, malgrado isso, insistir em levar uma vida com nível que ia além do que seus somíticos proventos lhe permitiam. Diretores da Editorial Bruguera tratavam de complicar ainda mais as coisas tirando-lhe todo e qualquer direito sobre os personagens que ele criava, agindo impiedosamente de uma forma injusta e antiética: ou ele assinava a cessão dos direitos ou não recebia nenhum vintém pelos desenhos feitos. Seus personagens, a exemplo de La famillia Cebolleta, Las hermanas Gilda e Anacleto, agente secreto, eram adorados pelos leitores, mas com os direitos autorais nas mãos dos patrões, pouco lhe rendiam. Nada recebia por eles além do valor pouco expressivo pago pelas páginas com as histórias que criava e desenhava. Tal situação abusiva era imposta também a seus colegas de prancheta na Bruguera, entre eles desenhistas que se tornaram famosos como Peñarroya e o hoje consagrado Francisco Ibañez, criador de Mortadelo y Filemon, no Brasil batizados de Mortadelo e Salaminho. Vázquez tinha um ótimo traço, era um artista talentoso que, de forma criativa, muitas vezes se inspirava em suas vivências cotidianas e colocava a si próprio como personagem de suas historietas, revivendo suas agruras e suas alegrias, como uma autêntica catarse em nanquim. Vázquez criava também toda sorte de subterfúgios para driblar a política injusta imposta por seus editores, não as aceitava passivamente como os demais. Enquanto isso, tinha sempre que usar de muita sagacidade para fugir do indesejável séquito de cobradores que o perseguiam a qualquer hora do dia. Seus problemas com o dinheiro e com os editores terminaram por levá-lo à cadeia sob a acusação feita pela Bruguera dele receber indevidamente valores monetários valendo-se de fraude, com direito a falsificações de assinatura pelo dibujante. De certa forma, isso seria um troco à exploração e vilania dos seus patrões, o que nos faz pensar em Vázquez como uma espécie de Robin Hood que tirava dos ricos para dar ao pobre, no caso ele mesmo. Para complicar um pouquinho mais as coisas, a vida amorosa de Vázquez também não era exatamente um mar de rosas. Gostava de mulheres, tendo vivido com sete delas em regime, digamos, de união estável. Através desses relacionamentos colocou no mundo onze filhos, onze boquitas para alimentar com leche, paellas e tortillas. Acusado de bigamia, Vázquez voltou a passar um período na cadeia. Óscar Aibar, antes de se dedicar integralmente ao cinema, trabalhou como guionista de historietas, ou seja, argumentista de quadrinhos, na revista Makoki. Nessa condição conheceu e conviveu com Manolo Vázquez e dele ouviu detalhes de sua vida pessoal que muitíssimo impressionaram o cineasta, surgindo daí a decisão de um dia levar ao écran um filme sobre o historietista famoso e seu modo diferenciado de viver nesse mundo. Quando chegou a ocasião de realizar a película, para interpretar Vázquez, Aibar chamou o ator Santiago Segura, fantástico como sempre. O roteiro é muito bem escrito, todo o elenco está bem, o diretor é habilidoso aos mostrar, de forma contida, as sequências com tom humorístico ou dramático. Não sei se as locadoras de vídeos têm em seus acervos El gran Vázquez. Na verdade, nem sei mesmo se ainda existem locadoras. Em todo caso, sempre é possível, com paciência e vagar, achar-se uma cópia do filme na internet. Para quem, a exemplo de mim, ama historietas, dibujos, dibujantes e o cinema, vale muitíssimo a pena.
(12/01/17)