25 fevereiro 2020

Cartola e as rosas tagarelas

As rosas não falam?! Ô, Seu Angenor, elas falam, falam, sim, ora, se falam! Algumas são incrivelmente loquazes, outras chegam até a serem beeeem tagarelas e é um custo fazer com que calem suas róseas boquitas. Às vezes puxam um assunto qualquer e logo desandam a falar - de forma muitíssimo bem articulada, por sinal -  sobre o tema que pauta para si. Por exemplo, por exemplo, o samba, um mais que valioso tesouro da nossa música popular. E é claro que se elas falam sobre samba falam de sua notabilíssima pessoa, Seu Angenor de Oliveira, o senhor que é um dos mais valiosos tesouros culturais deste patropi abençoá por Dê, um grande Mestre do samba, da vida, eternizado no universo musical pelo seu cognome de Cartola, o Mestre Cartola, conhecido como sendo o compositor mais identificado com a Escola de Samba da Mangueira. Mas nós, brasileiros, sabemos bem que Seu Angenor, o marido de Dona Zica, foi bem além disto, sendo gravado pelos mais consagrados cantores da nossa rica MPB. Preconizam as mui falantes florzinhas que o compositor Cartola legou à música brasileira autênticas e finíssimas pérolas musicais, tesouros de altíssimo valor, versos que denotam um criador de alma culta, ainda que o autor fosse uma pessoa de origem humilde, de poucos estudos formais, morador do Morro da Mangueira, no Rio, reduto de gente simples e dita comum, mesmo sendo ele um artista incomum. 
Esta carica acima eu fiz um tempo atrás como presente pro meu nobre e especial amigo Biratan Porto, gente da minha consideração e apreço, que todos sabem bem que é um cartunista e caricaturista piramidal, de alto gabarito e que, de quebra, é ainda um músico habilidoso, um virtuose do bandolim, coisa que tive a fortuna de comprovar ao vivo e a cores em Belém do Pará. E não fosse isso o bastante, Bira é também um cartolamaníaco inveterado, contumaz e renitente, no que lhe dou inteira razão, convicto de que ele merece ouvir das rosas umas loas tão enaltecedoras quanto as que elas dirigem ao Mestre Cartola.
(281114)

Sketchbook 03 / estudo de homem com camisa listrada

Trabalhar com computador é sempre gratificante. Mas são tantas as formas prazerosas de fazer um bom desenho que é bom experimentar um pouco de cada um de tais prazeres, notadamente as técnicas mais tradicionais já utilizadas por tantos e tantos artistas deste mundo, mundo, vasto mundo. Aquarela é sempre uma delícia das mais deliciosamente deliciosas. Ainda mais assim, manchadona, feita meio que com uma estudada falta de acuro. O lado bom de quem ama desenhar e escolheu como profissão justamente o trabalho com desenho, é que este se torna ao mesmo tempo fonte de sobrevivência e um enorme e perene prazer.
(171110)

21 fevereiro 2020

Carnaval de rua na Bahia, tinta acrílica, beldades e um temerário ser chamado Caó.


Já é carnaval, cidade, acorda pra ver! Curtir a folia, brincar o carnaval nas ruas da Bahia é puro delírio. A festa é um painel colorido, belo e efervescente, cheio de personagens maravilhosos. A velha raça humana se esquece dos problemas e vai à praça gritar a alegria que segue cultivando em seu peito malgrado as ações dos nefastos, integrando-se ao melhor dos hedonismos, com direito àqueles beijos nada colombinos, desejos luxuriosos mais que legítimos e novos amores eternos que durarão até a quarta-feira de cinzas. Ou quinta-feira. Ou sexta, já que o carnaval aqui nunca sabemos dizer com precisão quando termina, considerando-se a remotíssima hipótese de que ele termina. Bom, ninguém aqui nesse bloguito é tão alienado que não saiba que na elaboração da festa há enormes manipulações oficiais e interesses empresariais que atropelam a honestidade, a tranquilidade e o conforto de moradores de bairros ocupados pela folia oficial e até mesmo o direito de ir e vir desses e de outros moradores, e ainda as tradições mais populares e o bom senso na busca do lucro fácil e farto. Mas fiquemos, por ora, no aspecto lúdico, na alegria e na loucura a que todos se permitem, pois é por motivos tais que o carnaval da Bahia é mesmo uma bela temática para se pintar, caprichando no colorido de cores vivas, cores quentes, cores redondas ou seja lá que outro nome lhes deem, como aliás busquei fazer nesta pintura concebida com massa acrílica e tinta acrílica sobre tela de 1.00 x 0.80 m. Ditas tais quase profundas e filosóficas palavras, eu agora vou correndo pro Pelô, senão um fulano que conheço num piscar de olhos é bem capaz de comer todas as mulheres que estiverem por lá e não sobra nada pra ninguém, sendo que isto inclui talqualmente minha pessoa. O tal fulano é phoda, quando vê murundum não considera amigo nenhum! Axé, galera!! Sem perda de tempo, lá vou eu. Fuiiii!
(250217)

Samba e turismo sexual no País do Carnaval

 Você, sapientíssimo leitor, já deve ter notado que Carmen Miranda é uma figura recorrente em minhas pinturas. Isto se explica pela formidável admiração que ela exerce sobre mim e também em miríades de gentes deste planeta azulzinho. Na ilustração deste post está uma versão da Pequena Notável executada com tinta acrílica sobre tela, sendo ela parte integrante de uma extensa série de pinturas que fiz buscando falar sobre um amontoado de erros com os quais convivemos, por vezes indiferentes, nesta Terra Brasilis, pátria amada nem sempre tão gentil que, ainda assim, intenso amor nos inspira, apesar dos tantos e tantos pesares. Por aqui, hedonistas que somos, amamos o samba, que é nosso e que é tão bom, entre tantos ritmos brasileiros que celebram nossa admirável alegria interior. Mas não podemos perder de vista o fato de que neste país amado, entre outros malefícios, perdura um forte turismo sexual e a pedofilia, frutos da desigualdade, praticados por gentes inescrupulosas, que trazem suas moedas fortes com as quais logram corromper nosso caráter por vezes tão macunaímico. E tudo tende a piorar quando um presidente do Brasil diz o que já disse acerca de estrangeiros e turismo sexual.  Há ainda a terrível e abominável situação da infância que foi abandonada - e não é de hoje - pelos governantes mas pela sociedade também. Estamos em tempo de carnaval. Dancemos e celebremos nas ruas e praças a vida movidos por nossa inesgotável, elogiável, invejável alegria interior. Mas nada de guardar nossa consciência num pano de guardar confetes. Evoé!
(150213)

14 fevereiro 2020

Riachão, 99 anos de samba, luta e alegria.

Quem quiser saber tudo de samba e de Bahia tem de beber no sagrado manancial chamado Riachão. Há que se sorver sofregamente a arte do samba de Riachão. Caetano bebeu em generosos haustos. Gilberto Gil bebeu a se fartar. Cassia Eller, maravilhosamente, idem, idem. Riachão é a Bahia em forma de gente subindo a ladeira do Pelô ao encontro da roda de samba com seu terno branco com cravo na lapela, seu boné, seus óculos, anéis, correntes, toalha no pescoço, jeito de malandro, sua ginga, sua alegria contagiante, dentes escancarados num largo sorriso só encontrável em soteropolitanos tipos. Riachão, em verdade, é o próprio Samba da Bahia, com RG e tudo. Puro e da melhor qualidade, sim, o Samba baiano é este maravilhoso senhor Clementino Rodrigues, o Riachão, que completará 99 anos no próximo novembro, e lançando o disco Se Deus quiser vou chegar aos 100, louvado seja Nosso Senhor do Bonfim! 
Xô, chuá, cada macaco no seu galho, a nega lá em casa não quer trabalhar, quer comer engordurado e nào quer cozinhar. Chega na roda o quase centenário Riachão, Mestre do Samba, e dele transborda a mais carismática baianidade, seu talento de sambista nato é líquido e certo, oferecendo-se generosamente para que nele sorvamos os necessários e substanciais haustos. Com as graças de Oxalá. Epa Babá! Viva Riachão! 
(310514)

Guache Marques, um artista plástico da Bahia e seus múltiplos talentos.

Ainda que a arte da Bahia com maior visibilidade no Brasil e no mundo seja a música, outras artes baianas são igualmente efervescentes e têm seus grandes artífices. Literatura, cinema, fotografia, teatro e também as artes plásticas. Volta e meia, caminho pelas ruas de Salvador em um périplo destinado a rever painéis e esculturas do genial Carybé que estão abrigadas em hotéis, bancos, edifícios residenciais. Puro deleite. Frequento galerias e folheio mil vezes alguns catálogos que guardo, buscando sempre o prazer de ver e rever trabalhos do estupendo Floriano Teixeira, a excelência de seu desenho feito com os traços mais refinados que meus olhos já viram, e sua pintura feita de delicadeza, magia, surpresas. Não se pode dizer que a pintura baiana seja uma única. Há linhas e linhas de trabalhos. Nessas linhas há sempre aqueles que se sobressaem mais por acreditarem nos seus talentos, nas suas artes, e buscam trabalhar com dedicação e amor. Falo isso lembrando-me do trabalho do artista plástico Antonio Gomes Marques, mais conhecido como Guache Marques, nascido em Feira de Santana, BA, formado em Artes Plásticas pela UFBA. Sua arte tem mil aspectos, Guache segue inúmeras vertentes para se expressar, sendo ele múltiplo no seu ofício artístico, oferecendo aos que amam as artes plásticas um vasto leque de caminhos e possibilidades. Em cada um deles, Guache se comunica com total domínio, competência, talento. Habilidoso ao desenhar, na feitura de seus desenhos expressa-se através de diversos materiais, faz bico-de-pena, ilustrações para textos, pinturas em tela, gravuras, artes digitais e fotos-desenhos. Não bastasse isso, é também programador visual. 
O trabalho de Guache Marques não se encerra na grande beleza plástica que trazem em si, limite para muitos artistas que daí não passam, por aí mesmo estacionam, satisfeitos. Nesses tempos em que tantos demonstram grande alienação - incluindo-se nisso, um mundaréu  de gente do mundo das artes plásticas - há que se dizer que Guache é um artista, com alta consciência social, politizado - sem incorrer na panfletagem - e com fortíssimas ligações com a Bahia, sua gente, lutas, aspirações, costumes, História. Através dos seus desenhos, gravuras e pinturas, de tudo que faz, o espectador é contemplado com sua visão das coisas, um enfoque social que, vale repetir,  não é panfletário, falando do homem, suas crenças, sonhos, pelejas, anseios, religiosidade, raízes, signos afro-brasileiros. Guache Marques é profícuo em seu ofício e tem incontáveis exposições, individuais e coletivas, inúmeros painéis, fez instalações, participou de dezenas de Salões de Artes Plásticas, recebendo um expressivo número de premiações. Ser um artista plástico completo e talentosos como Guache Marques é para poucos. Exemplos de sua arte madura e bela podem ser vistos e apreciados na internet através de um bom buscador, como o Google. Alguns trabalhos e dados do artista são encontráveis através do link:

13 fevereiro 2020

J. Jorge Amado e o Jacaré no esparro

Jacaré no seco anda?
Antes de responder esta singela e inocente indagação, saiba você que ela não é assim tããão singela nem inocente. Em verdade, traz implícita em si muita malícia e sacanagem,  tratando-se de um significativo exemplo do que são os esparros, frases utilizados no coloquial do povo da Bahia cheias de duplo sentido e de malícia, recheadas de um humor pra lá de sacana. Tais frases são encontradiças em pitorescos diálogos populares de todo nordeste e de maneira constante na boca do povão baiano que tem como característica marcante ser irreverente, como se pode comprovar nesta particularidade de sua cultura oral que serviu de temática para o escritor João Jorge Amado.  Sempre atento, como é de seu feitio, J. Jorge pesquisou, garimpou, coletou e selecionou com um mais que acurado empenho e publicou esparros à mancheia em seu ótimo livro, "Lá ele ! O esparro na Bahiapor mim ilustrado entre uma gargalhada e outra. Você que é dado a boas leituras pode tentar conseguir um exemplar fazendo contato com a Publit Soluções Editoriais, através do seu site 
http://www.publit.com.br/
(140213)

11 fevereiro 2020

Para o gajo Fernando Pessoa uma acrílica que canta em cores.

"Qualquer música. Ah, qualquer, logo que me tire da alma esta incerteza que quer qualquer impossível calma." Lindos esses versos de Fernando Pessoa, gajo fixe, giro, poeta mais que inspirado que no início do século passado escrevia essas coisas, versos e ideias que até nos dias atuais seguimos lendo pra lá, muito pra lá de embevecidos. Há de ter sido inspirado pelos versos do prolífico e iluminado bardo lusitano que pintei essa tela usando tinta acrílica. Cantando como cantaria, com seu vozeirão, o inefável Professor Cauby: ''Pintei, pintei, jamais pintei tão lindo assiiiiiiim''. Bem, bem, exagero, não chega a tanto, mas quando desenhei e pincelei as tintas nesta tela, luminiscente leitor, fique certo que eu ouvia alguma música mais que divinal e que em minh'alma não vagava incerteza alguma.
(220414)

06 fevereiro 2020

Bill Watterson, Calvin and Hobbes / Uns cara que eu amo 5

 
Entre meus quadrinhos preferidos está Calvin and Hobbes, aqui no Brasil conhecidos como Calvin e Haroldo. Bill Watterson não é apenas um estupendo desenhista, é um argumentista de raro talento que criou um universo mais que maravilhoso onde um menino, Calvin, e seu companheiro constante, Haroldo, um tigre de pelúcia que ganha vida quando ambos estão a sós sem a inconveniente interferência de adultos. Estes, por sua vez, transformam-se, na prolífica imaginação de Calvin, em dinossauros ou em monstros estranhos de outros universos, sempre prontos a atrapalhar a vida do inteligente menino. E inteligência é o que mais se vê nas tiras de Watterson, presentes nos diálogos mais criativos das HQs desde que foram inventadas. As situações que ambos vivem, mesclando realidade e fantasia para discutir problemas do homem atual, ultrapassam os limites da mesmice, das fórmulas fáceis, das mensagens convencionais com tipos estereotipados que os americanos tanto adoram. Tão fora do convencional é Bill Watterson que um dia, gozando de notável popularidade e do mais irrestrito respeito, para surpresa geral deixou de produzir desenhos com o menino e seu tigre. Talvez tenha se cansado, talvez fazer as tiras não lhe trouxesse mais alegrias, talvez - quem sabe - achando que poderia repetir-se, tenha resolvido parar depois de 10 anos onde chegou a produzir mais de 3100 tiras da dupla de personagens. Retirou-se do cenário artístico e não pensou como qualquer criador, americano ou não, de explorar comercialmente seus personagens, o que o tornaria um multimilionário, fazendo lembrar o genial desenhista do underground Robert Crumb que se lixava para o mercado de licenciamento para o qual dava sonoras negativas e explícitas bananas. Caramba!, gente assim sempre me causa uma profunda admiração e um enorme e insopitável sentimento de inveja pela firmeza de caráter, pela forte personalidade com que mostram que estão acima da mesmice geral, pela maneira independente de pensar e de recusar-se a ser apenas mais um na manada, mais um na interminável multidão dos medíocres que povoam uma grande extensão neste vasto orbe.
(101113)