Graças a um golpe ignominioso
contra uma mandatária eleita legitimamente pelo povo brasileiro através das
urnas, adonou-se do poder em nosso país um magote de seres caquéticos,
desalmados, retrógrados, sem escrúpulos, um intragável bando de escrotos que portam,
assumidamente ou não, os mais abjetos preconceitos raciais, étnicos, sociais e
sexuais, valha-nos Deus, acuda-nos Jeová, socorra-nos Buda, Maomé, Tupã e São Longuinho, com seus três pulinhos. Triste, tudo isso é triste. Mas a maior tristeza está no fato de
constatarmos que essa malta maligna só conseguiu concretizar suas abomináveis
pretensões antidemocráticas, graças à apatia e - muito pior ainda - até mesmo ao impensável apoio de uma grande parte do povo
brasileiro. E que povinho é esse que, em grande parte, se posta explicitamente
ao lado de tais algozes e avaliza toda sorte de desmandos, truculências contra a população de baixo poder aquisitivo, projetos de lei que conspurcam a Constituição, caçambas de atitudes indignas, incluindo-se nisso bisonhas farsas jurídicas que livram a cara de bandidos contumazes e enviam para as galés pessoas inocentes? Lembremos
que essa maneira de ser não começou com esse golpe. Vem de longe. E de longe
vem o questionamento, a vontade de encontrar uma resposta racional a tais
irracionalidades. Reproduzo aqui trechos de um texto do final dos anos
oitentas, de autoria do grande Furio Lonza, em que o escritor ítalo-brasileiro tece considerações sobre essa parcela do vulgo. Com a palavra, il signore Furio Lonza:
"Falta povo neste país. Até um tempo atrás, a opinião
corrente era de que "todo povo tem o governo que merece". Mentira!
Qualquer governo, por mais safado que seja, ainda é muito para esse povo sem
brios, sem vergonha na cara, esse povo burro e ridiculamente humilde, vaquinha
de presépio que engole tudo até o talo, até a última gota, todos os sapos,
todos os calangos, esse povo cativo, covarde, sempre com o rabo entre as
pernas, esse povo que marchou com Deus, pela família, esse povo que deu seu
ouro para o bem do Brasil, esse povo que vive coçando a virilha, que bebe
cerveja sem colarinho, lê horóscopo e coluna social, esse povo que encoxa
mulher no ônibus, que cheira cola, que puxa o saco do gerente, alcaguete de
polícia, esse povo que, em dia de greve de ônibus, pega táxi para ir para o
escritório, que pega avião para assistir Chitãozinho e Xororó em Las Vegas,
esse povo besta que deixa a Xuxa fazer a cabeça de seus filhos, esse povo cujo
ancestral índio acolheu o português de braços abertos em 1500, que rezou a
primeira missa bem comportado junto aos jesuítas, esse povo que recebeu a
Independência do Imperador da colônia, esse povo que proclamou a República e
botou um militar no lugar do rei, esse povo que paga uma fortuna por uma TV a
cabo e só assiste bosta, esse povo que come merda, respira merda, só pensa
merda, esse povo que faz na entrada, na saída, no meio e ainda deixa um pouco atrás da porta pra ser encontrado no dia seguinte, um povinho que acredita no Jornal Nacional."
Mais atual, impossível. Mas se o grande Furio Lonza tivesse escrito em recentes dias este seu texto, sabemos bem que teria um material ainda mais farto que haveria de incluir aqueles grupos de seres sem-noção fazendo ridículas coreografias pró-golpe, com direito a uma estarrecedora ala geriátrica com seus matusaléns fascistas e todos os parvos teleguiados pela Rede Globo e por toda a grande mídia, vestidos com camisas da CBF, marchando nas ruas ao lado dos mais asquerosos corruptos, repetindo seus mais demagógicos bordões, clamando pelo fim de um governo de cunho popular eleito legitimamente, reivindicando a
volta dos militares ao poder, a tortura, a repressão e toda sorte de suplícios e malefícios que causariam inveja aos mais fustigados masoquistas da História. Figuraria, enfim, toda a inconcebível participação desse
povinho parvo em apoio a um golpe que extermina direitos populares tão arduamente conquistados, que entrega as riquezas naturais da nação à sanha dos mais gananciosos capitalistas apátridas, que aniquila sonhos e esperanças, que destrói o país em que ele próprio nasceu e onde vive,
inviabilizando o presente e o futuro para si mesmo, seu filhos, famílias e
netos. Ai do Brasil. Ai de seu povo. Ai de nós, São Longuinho!
(020718)
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