Capitão
Falcão é um militar treinado marcialmente para salvaguardar a ditadura em
Portugal e, por extensão, proteger o ditador Antonio de Oliveira Salazar,
criador do Estado Novo. Falcão ama tanto o despótico Salazar que, em dado
momento, o oficial toma nos braços o déspota e com sofreguidão beija-lhe longamente a boca
fascista em um ardoroso ósculo que denota a desmesurada paixão vigente entre ambos. A
cena é de uma comédia do cinema português, em filme de 2015 dirigido em pelo
cineasta luso João Leitão, que também é responsável pelo argumento e pelo roteiro, sendo esse em parceria com Núria Leon Bernardo. Falcão, com sua máscara preta, faz uma linha de herói que muito
tem a ver com o Batman e ainda mais com o Capitão América, patriótico e ufanista combatente
ianque que devasta os inimigos de seu país. A ideia inicial era fazer de
Capitão Falcão uma série para a TV de Portugal. O projeto não avançou. O
argumento foi reescrito e adaptado para o cinema, virou filme, alcançou bom
público nas salas de exibições lusitanas, e acabou conseguindo ser exibido no
formato minissérie nas telinhas pela RTP. Já li reportagens de alguns cineastas
espanhóis reclamando da vida, da dureza que se tornou fazer cinema na Espanha.
Não falariam isso à toa, mas a verdade é que, em termos de produção, o cinema
espanhol tem dado um show nas películas que produz, o que não acontece com
Capitão Falcão, de produção bem modesta, comparada às hispânicas e tantas mais.
Ainda assim, o filme de Leitão surpreende positivamente com o elenco dando bem
o seu recado. Capitão Falcão, o herói fascista, inimigo ferrenho de comunistas, esquerdistas de correntes as mais diversas e liberais em geral, é interpretado por Gonçalo Waddington
enquanto José Pinto interpreta o ditador Salazar. O argumento e o clima do
filme em alguns momentos fazem lembrar, ainda que de forma distante, o clima do
humorístico brasileiro feito pelo grupo Casseta & Planeta e a TV Pirata.
Com menos escracho, bem mais contido, mas com gags e detalhes de muita hilaridade.
Curiosamente, Falcão batizou seu fiel ajudante de Puto Perdiz, o que para nós,
do Brasil, soa hilário por si só, pelas diferenças no uso do Português, nossa língua
comum, nem sempre tão comum assim. Aqui a palavra puto é pouco usada em sua forma masculina, e com sentido diverso do uso comum em Portugal. Na terra de Fernando Pessoa, os meninos ainda bem
pequeninos são chamados de miúdos, enquanto os meninos maiorzinhos, já adentrando
a adolescência, são chamados de putos, a exemplo da Itália, em que é comum chamar-se os meninos de puttos, designação oriunda do batismo daquelas esculturas ornamentais
de anjinhos alados de capelas e igrejas, os puttos,
putti, puttinos. No Brasil sabemos que impera um autêntico monopólio na exibição de filmes oriundos do cinema made in USA, e por aqui um filme português como Capitão Falcão praticamente não tem chances de ser exibido nos cinemas regulares. Cônscios disso, cinéfilos brasileiros juramentados não se cansam de tecer loas à internet
por proporcionar o milagre de podermos assistir via online a filmes não encontradiços nas nossas salas de projeções, como essa comédia que mostra que os portugueses, além de serem bons de fado e de literatura, são também bons de humor e de cinema, o que se percebe através das imagens que mostram um Portugal dominado pelo Estado
Novo e sob atenta vigília do Capitão Falcão e de seu amado Puto.
(22/11/16)
(22/11/16)