24 janeiro 2020

Flavio Colin, o Mestre dos Mestres das HQs, comentando os desenhos de Setúbal.

Indômito e estoico, o decidido coração do explorador o leva a penetrar intrepidamente na imperscrutável selva que no seu emaranhado interior mortais armadilhas oculta. Na jângal de nigérrima escuridão e insondáveis mistérios penetra ele com invulgar destemor, sem quaisquer hesitações. Este explorador de quem falo sou eu, leitores. Esta selva, o espaço desorganizado de um quarto de meu larestúdio, em que se amontoam livros, revistas, discos de vinil, papéis com bosquejos, debuxos, rafes, layouts, rabiscos e estudos, lápis, canetas nanquim, pincéis, tintas a óleo e acrílicas, um bolachão do Manezinho Araujo, uma fita cassete com uma coletânea do Odair José, um CD do Bola de Nieve, outro com trilhas sonoras de filmes de Almodóvar, um poster mostrando Chavela Vargas e Atahualpa Yupanki, uma revista O Cruzeiro com Carmen Miranda na capa, uma figurinha carimbada do Flávio Minuano com a camisa 9 do Corinthians e incontáveis recuerdos de Ypacaraí. Toda sorte de objetos de formas, tipos e procedências se acumulam nessa mui densa selva em que os intrépidos irmãos Villas-Bôas não ousariam adentrar, temerosos. 
Tais temerárias atitudes de minha parte por vezes são altamente compensadoras. Muita vez meu peito experimenta a alegria de um velho arqueólogo que, após décadas de intensa procura, finalmente descobre milenares tesouros de um faraó. Isso se dá quando encontro algo que, estando perdido no meu caos doméstico, ressurge diante de meus olhos, materializa-se em minhas mãos. Como esta carta que um dia, no anno Domini 1998, enviou-me o inimitável, o inigualável, o incomparável Flavio Colin, meu ídolo desde que, ainda um guri, comecei a ler histórias em quadrinhos. 
Não conheci Colin pessoalmente, só grahambellmente, em longas conversas, principalmente sobre quadrinhos. Enviei a ele livros e revistas com desenhos meus e de amigos aqui da Bahia. Nos papos, Colin mostrava-se um homem culto e politizado. Sendo cortês, não deixou de escrever-me e o fez de forma alongada, falando de coisas que denotavam seu pensamento de profissional e, indo além, de forma espontânea teceu comentários sobre meus desenhos. Nada de teclados, notebooks, e-mails, o que Colin escreveu sobre meu trabalho foi escrito pelo mesmo punho que desenhava aquelas maravilhas todas que fizeram feliz minha existência de voraz devorador de gibis, álbuns, revistas de quadrinhos. Suas palavras foram e são para mim uma grande motivação. 
Considero que meus desenhos são meras garatujas diante da arte maior de Colin, mas ele, vendo meus trabalhos nos livros e revistas que lhe enviara, gostou e se motivou a me escrever, inflando meu ego, fazendo meu peito estufar preenchido pelo mais lídimo, justificável e salutar sentimento de orgulho. Determinam as regras do mais elevado e ético comportamento humano que uma pessoa assim laureada, porte-se com dignidade, com elevada modéstia, de maneira nobre, de forma serena, contida, reservada, sem ostentação. Pois faço saber que nesse caso mando uma banana para a modéstia e outra para sua irmã caçula, a discrição. Uma honra dessas não se acha por aí, aos montes, dando sopa pelas ruas, becos, ladeiras, vielas, veredas, ágoras, alamedas e bulevares, e não serei eu quem irá encobrir com o diáfano véu da falsa modéstia o irrefreável orgulho que sinto pelas palavras do Mestre Flavio Colin:
"Caro Setúbal:...
...Gostei e admirei especialmente "ABC da Guerra do Absurdo". Sem bajulações e sem salamaleques, considero suas ilustrações belíssimas. Um trabalho realmente primoroso. Vou guardá-lo com todo o carinho. Espero que você alcance êxito, não só profissional e financeiramente, para que possa expor todo o seu potencial artístico e viver do seu talento com a segurança e a dignidade que bem merece. aguardo novos trabalhos seus. Abração do Flavio Colin."
200817