A maior fera que já vi fazer caricaturas neste planeta azulzinho que habitamos é Loredano, o grande Cássio Loredano. E olhe que há gente muito boa caricaturando mundo afora. No Brasil esta sempre foi uma arte que nos brindou com talentosos artífices. Nas décadas mais recentes ampliou-se o número de caricaturistas notáveis, bons de traço e ideias. Muitos deles são virtuoses nos programas de computação e ali produzem caricaturas esplêndidas. Bom, é fato que se muitos caricaturistas brasileiros evoluíram no aspecto grafico, perderam na essência e estão fazendo um tipo de arte graficamente bonita, sim, mas com um conteúdo político deplorável, para dizer o mínimo. Em verdade, este é um mal que atualmente observado em um certo número de cartunistas e chargistas do Brasil, não se limitando aos caricaturistas deste patropi. Voltando a Cássio Loredano, tive
eu - Deus é bom - a grande fortuna de havê-lo conhecido em pessoa durante
uma exposição da Fiocruz, no Rio de Janeiro, há bem uns 20 anos. Bebericamos,
batemos um papo agradabilíssimo em mesa de bar entre outros amigos desenhantes tais como Amorim e Dil Márcio. E
me prestou Cássio uma prestimosa e assaz luxuosa assessoria para que eu
pudesse contar ao grupo de cartunistas uma piada sobre lusitanos, com o devido respeito, de maneira politicamente correta, sendo eu um cara respeitador das
soberanias nacionais, artigo tão escasso na atualidade. Pelo fato de Cassio Loredano haver morado em
Portugal, o acento português que reproduzia em suas falas era escorreito, mil
vezes melhor que o meu lusitano sotaque altamente canastrão. Vai daí que, com a caveira cheia dos
mais diversos e capitosos licores, eu ia contando a piada e nos
momentos em que nela havia a fala de um lusitano,
imediatamente eu repassava ao Loredano a incumbência de
repeti-la em voz alta aos demais, com o seu impecável sotaque luso, coisa de fazer babar
quaisquer Camões, Fernandos Pessoas ou Amálias Rodrigues. Nós e todo o grupo
ríamos às escâncaras, não pela piada em si, mas pelo nosso canhestro mise-en-scène,
reforçado pelo fato da piada ser contada a quatro mãos. Ou duas vozes, sei
lá. Além de ser o gênio da caricatura que é, Cássio Loredano é um gentleman,
um cara bem humorado, de bem com a vida, cordato e, nem preciso dizer,
inteligentíssimo. Sempre admirei nele seu traço elegante e sua maneira única e
original de distorcer, quando o quer, as faces, os corpos de seus modelos e
fazer com seu traço mágico uma cirurgia desconstrutiva tal que algumas
vezes o nariz vai parar acima dos olhos - como no caso dos escritores Saramago
e Nelson Rodrigues aí em cima - sem que se perca a impressionante fidelidade ao
rosto, à personalidade do modelo. Os trabalhos aqui postados são antigos e você, leitor, valendo-se da internet poderá se deliciar com um mundo de desenhos loredanísticos outros. Hoje em dia há uma certa tendência das
revistas e jornais de só utilizarem vistosos desenhos supercoloridos,
executados em computadores nos mais hodiernos programas por aqueles artistas infovirtuosos supracitados. Os editores optam sempre pelas artes executadas através de programas de computaçào em detrimento dos trabalhos que seguem a linha mais tradicional. Mas Loredano - assim como faz Ziraldo e Shimamoto e tantos outros, e como o fazia o genial ilustrador Flavio Colin - usando na maioria das vezes apenas nanquim preto, prova que a verdadeira
genialidade está acima de modismos e tendências na ordem do dia. As
caricaturas de Cássio Loredano são um deleite, um colírio, um bálsamo para olhos e almas. Pela
Europa, onde ele já passou, morou e publicou, há um monte de seguidores seus. Lá, como
cá, quem sabe o que é bom fica fã incondicional das caricaturas exatas de
Loredano que, dentre tantos caricaturistas maravilhosos espalhados por este
imenso orbe, é aquele que mais me impressionou desde sempre. Axé procê, Cássio Loredano!
( 200813)