06 março 2022

Percy Lau, o Brasil, o Peru, o IBGE


Meu primeiro alumbramento não foi nenhuma manuelbandeiriana moça nua banhando-se em inocente despudor. Foram o cinema e os desenhos. Mal largara a mamadeira, eu já era fã ardoroso dos geniais Flavio Colin e Will Esner. Mas havia um cara cujos desenhos eu ficava horas olhando, embevecido. Um desenhista que nunca vi ser citado por qualquer dos grandes artista do traço. Seu nome, Percy Lau. E a quem se disponha a perguntar que personagem ele fazia, em que revista desenhava, vou avisando que os desenhos de Percy, que tanto me encantavam, eram publicados em didáticos livros de Geografia adotados oficialmente nas escolas. Eram bicos-de-penas fantásticos que mostravam cenas, cotidiano, folclore e tipos do Brasil e desnudavam aos meus olhos infantes essa pátria, esse povo brasileiro. Vaqueiro do Marajó, Aguadeiro do São Francisco, As cachoeiras de Paulo Afonso, O gaúcho, A baiana vendendo acarajé, Seringueiros, A Caatinga, A floresta atlântica brasileira. Tudo feito com maestria e um evidente, incontestável e desmesurado amor por este país, que me causava espécie. Ainda mais quando descobri que Percy não era baiano, carioca, paulista, potiguar nem capixaba. Ou era tudo isso, vez que nascera em nuestro hermano Peru e adotara o Brasil como sua pátria onde era funcionário contratado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, sob incumbência do qual traçava com suas abençoadas mãos o retrato mais que perfeito deste povo, desta terra. Seguramente ele ia além do que lhe era exigido. Em cada hachura sua, em cada pontilhado mostrava e despertava amor pelo Brasil. Esse mesmo Brasil, do qual sempre se diz ser um país injusto e sem memória, tem uma dívida enorme para com Percy Lau. É mais que hora do IBGE valorizar o tesouro que tem e a própria excelência da Instituição, que teve a competência de produzir um trabalho, um registro importante assim, chamando pessoas tão gabaritadas quanto Lau para executá-lo. É oportuno editar um livro que mostre a grandeza de Percy , parte fundamental deste projeto. Não falo de um livro como o que comprei em um sebo, Tipos e aspectos do Brasil, do próprio IBGE, com um pequeno parágrafo falando desse brasileiro nascido na urbe de Arequipa, e sim um que enfoque Lau e que mostre, além dos seus maravilhosos trabalhos, quem era o homem, além do funcionário dedicado, um grande artista brasileiro, nascido casualmente em terras distantes, como tantos. Um álbum à altura do fantástico Percy Lau. E uma exposição significativa com seus magníficos desenhos, que seja itinerante e que possa mostrar às pessoas desse país sua Arte fantástica. Há pouco se deu o centenário de nascimento dele, é oportuno. E se no IBGE não tiver gente consciente e de competência para tal, que a Embaixada do Peru acorde e tome a si a responsabilidade, numa iniciativa que mostre que os peruanos produzem tesouros com admirável talento artístico. Ou qualquer boa editora, historiadores dedicados ou amantes da boa arte em geral. O importante é dar visibilidade ao talento de um soberbo artista e à sua produção tão intrinsecamente ligada às raízes populares brasileiras, feita com amor, paixão, zelo e carinho por este país verde, amarelo, azul e branco. Um homem iluminado, um anjo com uma pena na mão e um Brasil nos olhos, na cabeça, no sangue, na alma. Um artista fantástico que nos ensinou a todos a enxergar, a conhecer, a entender e a amar mais e melhor esse auriverde país.
(10/10/12)