08 março 2022

Jim Jarmusch, Coffee and cigarrettes, claquetes e muita fumaça.

Humanos prazeres são por vezes de difícil entendimento e aceitação para os que deles não desfrutam. Mas não há como negar o intenso e inebriante deleite que se adivinha por trás das expressões oriundas das faces daqueles viventes que fazem do hábito de desfrutar um cigarro depois de um café – e de um café antes do cigarro – um ritual sagrado, inadiável, inigualável, único para essa galera. Um turbilhão de prazeres nascendo de momento que aparenta ser de total banalidade, um vício saudável, diriam tais rubiaceasófanos e tabagísticos viventes. Jim Jarmusch, um dos meus cineastas norte-americanos de estimação, aborda, no mais colorido dos pretos e brancos, essa temática em seu Coffee and cigarrettes, filme lançado nos EUA em 2003. Nele, Jim vale-se de sua câmera e de uns poucos planos, de diálogos inteligentes, aparentemente despretensiosos, sempre oscilando entre o prosaico e o nonsense, ditos com propriedade pelas bocas de atores expressivos, que dominam o seu ofício de atuar. Mesmo os que como eu não fumam, nem bebem café com a sofreguidão dos personagens, certamente se regozijarão com as interpretações de astros como Roberto Benigni, Iggy Pop, Tom Waits, Bill Murray e tantos mais. Jarmusch capta o momento íntimo e aparentemente banal, em que personagens dividem seus cafés e cigarros sobre mesas cobertas com indefectíveis toalhas quadriculadas, e aí ele mistura ficção com realidade, vez que os atores entram em cena assumindo serem-se as pessoas que de fato são na dita vida real, atores mais que consagrados e, no entanto, seguindo o script escrito por Jarmusch, dizem coisas e vivem situações nas quais mostram um incômodo arsenal de defeitos de caráter, comportamentos desabilitados de figurar em manuais de boa conduta, em que pitadas de prepotência, arrogância, maledicência e desdém entram em cena, ao lado de ingenuidade, de simplicidade, da boa-fé, de sentimentos edificantes. Uau! O resultado é que isso evidencia um humor sutil, raro, pouco encontrável nas telinhas e telonas do mundo, os diálogos são divertidos, especialmente os protagonizados por Murray, Iggy e Waits. Molina e Coogan. La donna è móbile e a internet é ainda bem mais, então quem quiser assistir, encontrará, ao menos por ora, o filme no Youtube, com áudio em Inglês e legendas em espanhol. Eu, que um dia haverei de ser um poliglota, tiro de letra e assisto de boas, que dirá você, meu scholar leitor.
(09/06/18)