05 dezembro 2016

Juazeiro, Petrolina e Ilha do Fogo: lá 1964 ainda não acabou

Redigo: a Ilha do Fogo é  um patrimônio legítimo e indissociável do povo, do amável e ordeiro povo brasileiro que habita as vizinhas cidades de Juazeiro, Bahia, e Petrolina, Pernambuco. Bem entre estas urbes, situa-se essa bucólica ínsula fluvial, dividindo ao meio naquele trecho, o histórico e lendário Rio São Francisco. Por quase meio século pescadores e habitantes da região transitaram por suas areias. Eis que então militares pernambucanos botaram enormes e cobiçosos olhos sobre a ilha e decidiram usurpá-las, arrancando das mãos dos pacíficos moradores sob o descabido pretexto de que ali é ponto estratégico, vital para a segurança desse país varonil de Gugu e Clodovil. Pois tais militares, conhecedores da questionável máxima que por aqui impera de que "decisão judicial não se discute, se cumpre", foram a um juiz simpático aos castrenses. Longe vai o tempo em que os brasileiros enxergavam um juiz como um monumento da idoneidade e da imparcialidade, um oceano da integridade moral. Os próprios juízes, fazendo o que muitos, de forma escancaradamente absurda, vêm fazendo, trataram de eliminar em nós outros quaisquer resquícios de crença e de confiabilidade. Sendo assim e assim sendo, procurado pelos militares, o tal juiz foi mostrando logo que sua toga era verde que te quero verde...oliva, foi tratando, célere, de dar parecer legal às pretensões dos militares e autorizando a posse e ocupação da Ilha do Fogo pelos fardados. Tudo feito sem uma prévia consulta popular, sem que as comunidades pudessem ter voz e vez para se manifestar democraticamente, bem ao estilo dos anos de chumbo. Nenhum plebiscito, nenhum referendo popular. Puro arbítrio travestido de legalidade. Um ato bem ao feitio dos negros tempos do nada saudoso regime militar que, iniciado em 1964, golpeou nossa gente por mais de 20 anos e que saudosistas do fascismo insistem em trazer de volta. Lamentável, lamentável. O Rio São Francisco é extenso. A caatinga é vasta. Nas terras do sem fim sanfranciscanas é de notório conhecimento que gentes inescrupulosas mantém plantações de  maconha que geram toneladas da erva-do-capeta que abastecem o mercado das drogas. Por ali, sim, seria de grande utilidade instalação de um batalhão de militares bem armados e preparados. Mas todos sabemos que além de traficantes, jagunços e pistoleiros armados, por ali há cobras, onças, mosquitos e sabe-se lá mais o quê. Ao contrário de todo este inferno, a Ilha do Fogo é lugar mais que aprazível, fica perto da casa dos militares, das suas amadas famílias, de shoppings, do aeroporto e dos bons restaurantes que servem a melhor carne de bode deste orbe. Por tudo isso, certamente a finada apresentadora Hebe Camargo diria que os militares pernambucanos envolvidos nesta questão são uma gracinha. Mas da Ilha do Fogo não arredam de jeito nenhum mesmo diante da justíssima pressão popular. Diante dela estão falando em conceder à população o acesso à Ilha do Fogo nos domingos e feriados, como uma reles espórtula. Quanto ao povo...ora, o povo que vá reclamar ao Papa. Menos mal que o atual Sumo Pontífice sempre mostrou não gostar de injustiças praticadas contra as camadas mais populares e, por providencial coincidência, ele também se chama Chico, um xará do Rio São Francisco, o Velho Chico.
(200913)