07 março 2020

Nem Portugal, nem Brasil: nossa verdadeira pátria é a língua portuguesa,

  O que quer, o que pode esta língua? Ah, pode nos encantar a todos e a todos seduzir, esta língua portuguesa, tão sonoramente gostosa, tão vária e tão bela, que encerra um “assombro vocálico em que os sons são cores ideais”, como definiu Bernardo Soares. Aliás, este escritor português, em meados do século passado, escreveu um texto que até hoje reverbera grandemente entre nós, habitantes dos países que têm o Português como língua materna. Decidido, com segurança, destemor e ousadia, no referido texto Bernardo nos diz que a ele pouco importava, que nada se lhe dava se um dia Portugal fosse invadido, se o solo lusitano fosse tomado por quem quer que fosse, porque sua única pátria era outra: a língua portuguesa. A esta não admitia, sob nenhuma hipótese, que tratassem com apedeutismo, insciência, incúria. Literal e literariamente assim nos asseveravou Bernardo Soares: “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente.”    
Tanto tempo se passou e até hoje a mencionada frase é motivo de grandes burburinhos, discordâncias e de controvertidas análises, tanto mais por sabermos que Bernardo Soares é outro dos muitos heterônimos utilizados pelo escritor Fernando Pessoa, dos quais se valia para dizer o que lhe ia na sua rica alma de poeta, escritor e intelectual. 
Grandes escritores e poetas portugueses ensinaram a nós, do Brasil, a amar o idioma que um dia nos chegou a bordo de caravelas lusitanas. Através dele, talentosos escritores, cantores, compositores. cineastas e atores brasileiros se expressam, se manifestam por palcos, telas, recantos do mundo todo, encantando plateias de idiomas diversos e ampliando enormemente a força e a glória que esta língua encerra.   
Passados mais de 500 anos, no Brasil a língua portuguesa foi criando uma forma própria de ser, aqui se permitindo todas as influências e mudanças possíveis. Hoje, nosso idioma comporta galicismos, anglicanismos, neologismos e influências as mais diversas, temos diferenças na forma de falar de acordo com cada região deste país tão extenso, erros acolhidos e incorporados, gírias inumeráveis que sempre se renovam. Nesses tempos de globalização, a cultura brasileira, por sua criatividade e força comunicativa, se faz conhecida em diversos países do mundo. Em parte, isso se deve à internet e ao veículo TV, notadamente às novelas feitas por aqui, uma febre em muitos países há dezenas de anos. Em Portugal, Angola, Moçambique e em países outros, os habitantes locais tomam conhecimento e terminam mesmo adotando as gírias, o gestual, o vocabulário, este modo de falar exuberante, pontuado pela irreverência do povo brasileiro, um modo bem pouco restrito a normas e dogmas idiomáticos. Assim nos expressamos nós, nativos desta terra que um dia Cabral encontrou dando sopa, dando mole, dando a maior bobeira aqui pelos trópicos. Desta nossa maneira de falar o Português, melhor não pensar o que poderiam dizer Luís de Camões, Eça de Queiroz e o Padre António Vieira. Muito menos o que pensariam e diriam Bernardo Soares, autor da tão polêmica frase, e Fernando Pessoa. Estes dois, aliás, ainda que em alguns pontos pudessem divergir entre si, certamente teriam opiniões semelhantes e bem pouco lisonjeiras sobre este modo que muitas vezes nós, brasileiros, usamos para falar e escrever esta tão amada língua portuguesa.