Ter um fascista como ídolo não é de bom alvitre nem algo que
se possa assumir de público com a mesma naturalidade com que alguém se assume
torcedor desse ou daquele time de futebol. Fascismo e nazismo são molas
propulsoras de dolorosas e inaceitáveis injustiças sociais, ódios esmagadores
os mais diversos, discriminações e perseguições as mais desumanas, racismo, graves e irreparáveis violências ao próximo. Mas aqui abro meu corazón
de melón, de melón, melón, melón,
corazón, para mencionar algo que pode chocar a você, caroável e
humanista leitor que não compactua com tais abjeções que tanto degradam a
raça humana. Acontece que assumidamente tenho como ídolo um
fascista dos piores. Um cara desprezível, sem um pingo de moral ou sentimento
de lealdade dentro de sua alma suja, um verme racista, um aproveitador e chantagista,
um ser abjeto recheado de egoísmo que para atingir seus propósitos mais
mesquinhos é capaz de explorar da forma mais infame o próprio pai que padece com as graves sequelas de um
derrame. Um homofóbico, um porco machista de extrema direita que usa
as mulheres como meros objetos sem lhes dar o devido respeito e valor. Um
anti-comunista ferrenho, um admirador confesso do Generalíssimo Franco, um mentiroso
sórdido e contumaz que só pensa em tirar vantagens das pessoas desavisadas que
com ele se iludem, capaz de roubar quem quer que seja, se tiver oportunidade
para isso. Sua história de vida é recheada de fatos e atitudes escabrosos. Era
policial e usava seu cargo para oprimir e achacar pessoas a quem devia
proteger, sendo por isso expulso da corporação. Seus erros e crimes foram
tantos que acabou indo parar atrás das grades, o que só serviu para piorar o
que já não era bom nesse fascista de meu agrado. Gordo, careca, bigodinho, um
constante riso de escárnio na boca de onde pende um palito que usou em recente
refeição filada de alguém. Uma camisa amarfanhada sob o paletó seboso, nele é puro
charme e elegância. Refiro-me a José Luiz Torrente Gálvan, ou
simplesmente Torrente – El brazo tonto de la Ley - um guarda-costas ocasional e
falso agente policial, personagem de cinco deliciosas comédias do cinema espanhol.
Seu
criador é Santiago Segura, um ator de grande versatilidade que engordou 20 quilos para
viver o personagem, como um dia já o fizera Robert De Niro. Além
de ser o grande ator que é, com uma rica e extensa filmografia, Segura cria hilários personagens e escreve seus criativos
argumentos. Como diretor sempre soube escolher muito bem os atores para trabalhar em
suas películas, artistas de grande talento como os célebres almodovarianos Chus Lampreave e
Javier Cámera, entre outros notáveis. Há riquíssimas participações de personalidades
admiradas em seus filmes, o que demonstra seu carisma e o bom conceito de que desfruta.
Santiago Segura também é produtor de filmes, é
compositor, já apresentou programas de TV, faz trabalhos como dublador, já criou argumentos
para histórias em quadrinhos, editou fanzines, cursou Belas Artes e também é
desenhista habilidoso além de criador de admiráveis personagens. Dentre esses
personagens que cria para o mundo das grandes comédias
cinematográficas feitas com um humor de primeira linha, em lugar de relevo e de
grande importância está José Luis Torrente, seja ele um crápula incorrigível ou
quem sabe um mero produto do meio e das circunstâncias que o tornaram o fascista
grotesco que é. Para horror dos que se pretendem mais sensatos, a vida costuma imitar
a arte e infelizmente é crescente o número de pessoas do mundo real que estão exibindo
um comportamento que em tudo se assemelha ao personagem da ficção e isso não
tem um pingo de graça, pra dizer o mínimo. José Luís Torrente Gálvan é o único fascista a contar com minha admiração.
Quem não conhece os filmes com o personagem não sabe o que está perdendo. Viva a Espanha! Vivam Torrente e Santiago Segura!
(050916)