À medida que vou lendo o livro “Os Pioneiros no Estudo de
Quadrinhos No Brasil” minha imaginação vai ficando tão livre, leve e solta que
acaba por me fazer revisitar minha infância. Nela estou em um cantinho
sossegado de minha antiga casa devorando com os olhos uma história em
quadrinhos do Spirit. Toneladas de prazer emergindo do argumento e dos
fantásticos desenhos de Will Esner. O mesmo valendo para os trabalhos de Flavio
Colin, Cannif, Frank Robbins, Luiz Sá e tantos mais que eu lia avidamente. Fantástico.
Piramidal. Constato só agora que fui um menino abençoado, contemplado com a
grande fortuna de ter um pai esclarecido que, diferente de tantos, não se
deixava levar pelas campanhas difamatórias movidas contra as histórias em
quadrinhos por setores mais conservadores da sociedade incluindo-se, em extensa
lista, políticos arrivistas, religiosos, professores, donas de casa e quantos
enxergassem nos quadrinhos um caminho para a perversão em patamares elevados. Esclarecedor,
o livro faz um registro de tais barbaridades culturais e serve também para
alertar as pessoas de que nem tudo que se publica e se divulga através da mídia
merece credibilidade. Jornais, revistas e TVs muita vez veiculam grandes
mentiras como sendo expressões da mais autêntica verdade, o que de fato não são.
No caso das HQs isso ficou indubitavelmente comprovado graças à atuação de
pessoas com uma visão lúcida, despida de preconceitos destruidores, sintonizadas
com o avanço do conhecimento. E grandes equívocos foram se desfazendo graças ao
denodo dessas pessoas, entre eles notáveis professores. Eles lutaram para que
os quadrinhos fossem sendo mais e melhor estudados, compreendidos e aceitos
pela sociedade de maneira geral. A luta desses professores fez com que se
fossem abrindo espaço nas áreas de produção e preservação do conhecimento,
escolas, bibliotecas, universidades. Décadas depois do início dessa peleja
contra ferrenhos opositores dos quadrinhos, o panorama tornou-se amplamente
favorável para essa forma de expressão e incontáveis eventos vitoriosos
aconteceram. Entre eles, a 1ª Jornada Internacional de Histórias em Quadrinhos,
em 2011. Ela mostrou a contribuição daqueles que primeiro defenderam a
histórias em quadrinhos no âmbito da universidade brasileira décadas atrás. Depoimentos
importantes desses pioneiros foram prestados nessa Jornada Internacional. Os
organizadores do evento, entendendo que a palavra falada é volátil, houveram
por bem registrar tudo nesse livro. Nos créditos do livro ficamos sabendo que a
organização de “Os Pioneiros no Estudo de Quadrinhos no Brasil” é dos
professores universitários Waldomiro Vergueiro, Paulo Ramos e Nobu Chinen e que
a edição é da Editora Criativo. Os depoimentos registrados para a posteridade
são dos professores Álvaro de Moya, Antonio Luiz Cagnin, José Marques de Melo,
Moacy Cirne, Sonia Bibe Luyten e Waldomiro Vergueiro. O visual gráfico é muito
bonito, sendo que a direção de arte é de Yuri Botti. As ilustrações ficaram por
cargo do notável Alexandre Jubran que se incubiu de retratar com fidelidade e
maestria os autores dos valiosos depoimentos. A quem interessar possa, o adulto
que hoje sou faz saber que não me transformei em um marginal, como reacionários
opositores das HQs vaticinavam que sucederia às crianças e jovens que lessem
quadrinhos. Na verdade, tornei-me um profissional da área e tento levar a
adultos e crianças momentos tão sublimes quanto os que meus autores preferidos
me proporcionaram em minha infância povoada por incontáveis personagens
maravilhosos das HQs. A Moya, Cirne, Cagnin, Marques de Melo, Sonia Luyten, Vergueiro e outros aqui não nominados, a todos esses notáveis professores, meus mais sinceros
agradecimentos.
(Publicado originalmente em 29/10/2015)
(Publicado originalmente em 29/10/2015)