03 setembro 2019

Filins inmái rarte: cantores norte-americanos made in Brasil

Numa de suas belas composições, Caetano Veloso – sempre um sábio - asseverou que só se é possível filosofar em alemão. Para grande parte dos brasileiros parece que só se é permitido cantar e gravar canções se elas forem feitas em Inglês. Basta ver o repertório apresentado por calouros em atuais programas das nossas TVs. E olha que isto já foi beeeeem pior, acreditem vocês. Nos anos setentas, em quase toda sua totalidade, cantores brasileiros foram sumariamente varridos das paradas de sucesso, programa de rádios, das TVs, da mídia em geral deste patropi abençoá por Dê e boni por naturê, maquibelê! Só se tocavam, só se escutavam, só eram divulgadas nas nossas mídias as músicas norte-americanas e inglesas. E como o ditado versa que quando você não pode com um inimigo, deve unir-se a ele, houve à época um acontecimento que vale a pena que nos recordemos sempre, dado o inaudito e o irônico do fato. Um novo contingente de gringos, nomes nunca dantes consagrados, sequer ouvidos até então, foi invadindo rádios e TVs tupiniquins, sem esbarrar nas mesmas resistências às canções e aos cantantes brasileiros, tocando, recebendo enorme consagração popular, integrando trilhas musicais de novelas, vendendo toneladas de discos, ficando meses em paradas de sucesso. Estes gringos, a bem da verdade eram "gringos", grafados assim, com aspas, por serem tão norte-americanos e ingleses quanto você e eu. Em outras words, eram cantantes made in Brazil que acharam um jeitinho de fazer chegar a hora desta gente bronzeada mostrar seu valor. Pois é, pois é, "norte-americanos" e "ingleses" nascidos por aqui mesmo, já que eram cantores e compositores brasileiros que, para burlar a aparentemente intransponível barreira erguida pelo aculturamento, passaram a compor músicas no idioma de Bill Shakespeare e a adotar como pseudônimos uma lista de nomes de origem anglo-saxônica para dar mais credibilidade, lembrando um recurso que cineastas e atores italianos empregavam, à época, ao produzirem seus contestados spaghetti westerns. Para completar, as capas de tais discos feitas de forma a parecer que eram originalmente produzidos no exterior, e assim os nossos criativos “gringos” iam conseguindo seu lugar under the sun. Ou seja, foi imprescindível essa bendita transgressão para que muitos artistas brazucas conseguissem fazer sucesso. E que sucesso, que sucesso! Nomes como Morris Albert, Terry Winter, Mark Davis, Tony Stevens, Steve Maclean e Michael Sullivan, entre outros, que embalavam as festinhas adolescentes, adentravam os lares, vendiam pilhas e pilhas de discos, ficavam meses nas paradas de sucesso. E depois de conseguirem esta façanha, partiram para uma maior, e começaram a figurar por largos tempos nas paradas de sucesso de diversos países e a serem gravados e regravados por gringos, estes, sim, autênticos. Morris Albert, por exemplo, teve sua composição "Feelings" gravado por cantantes do mundo inteiro, incluindo os lendários Frank Sinatra e Elvis Presley, façanha que muitos grandes compositores ianques não lograram conseguir por mais que se empenhassem neste desiderato. Outros grandes astros e estrelas da música norte-americana, como a grandiosa Nina Simone, também a gravaram. A lista de celebridades a gravá-la é vastíssima, incluindo o supracitado Caetano Veloso, a diva Ella Fitzgerald e Barbra Streisand. No filme "Susie e os Baker Boys" a canção extrapola seu lugar na trilha sonora e invade o roteiro pois ela é o pomo da discórdia entre os personagens da lindinha Michelle Pfeiffer e os brothers Jeff e Beau Bridges. Aliás a canção está em mais de uma centena de filmes, séries e novelas televisivas. Morris vendeu mais de 160 milhões de discos pelo planeta! Uau! Uau de novo! Ontem, ao rever "Entre Tenieblas", de Almodóvar, percebi que uma das músicas utilizadas era "Dime", grande sucesso na Espanha. Nada mais que uma versão em língua espanhola para "Feelings", de Morris Albert. Um dia, um juiz da corte norte-americana afirmou em sentença que ao compor a música, Morris teria plagiado uma antiga canção de nome "Pour toi", composta em 1956 pelo francês Loulou Gasté, canção essa gravada por Dario Moreno, que fazia parte da trilha sonora do filme Les Feux aux podres
Muita gente que opina concorda que há semelhanças, notadamente nos acordes iniciais da canção, mas que elas não chegam a se constituir em um plágio, discordando frontalmente do juiz, cuja sentença foi amplamente favorável ao compositor francês já que, no entendimento do maugistrado, Morris deve ser considerado apenas o autor da letra em Inglês, um absurdo que configura um autêntico assalto jurídico adredemente consumado em um tribunal, e nós, brasileiros, sabemos sobejamente o que é essa coisa de juízes tendenciosos, abjetamente parciais, que agem ao arrepio da lei atropelando a verdade, a decência, a honestidade e os pricípios mais basilares da Constituição e do Direito, em nada se importando com as consequências calamitosas que suas injustas decisões haverão de impor às vidas de terceiros. 
Polêmicas jurídicas à parte, ''Feelings" tornou-se incontestavelmente um dos imortais clássicos mundiais da canção graças ao talento de Maurício Alberto, nome verdadeiro de Morris, sendo Maurício um cidadão brasileiro, um paulista que, nesse país tantas vezes tão surrealista, por força das circunstâncias, tornou-se certo dia um antológico e inolvidável cantor e compositor “gringo”.
(12/05/2013)