A mais inquestionável das verdades, fúlgido e resplandecente leitor, é que nascer aqui, nesta afroterra chamada Bahia, é nascer poeta. Eu próprio - confesso prenhe de justificável orgulho - com notável frequência sinto em mim o borbulhar do gênio e aí, a torto e a direito, dou minhas cacetadas poéticas cujo refinado e sutil lirismo fariam babar o gauche e alcalóidico Drummond, o criativo e multifacetado Fernando Pessoa, o esverdeante Lorca, o pasargástico Bandeira e tantos inspirados vates mais. Se uso pseudônimo quando isto ocorre, não é por vergonha e sim pelo mais subido e nobre sentimento de invejável modéstia. Isto posto, gentes finas, já sabem: quando lhe pedirem para citar nomes de poetas baianos, não fiquem restritos ao magistral Castro Alves e seus condores abolicionistas ou a Gregório Boca do Inferno de Mattos e suas impudicas freirinhas. Mostre quão vasto é seu cabedal de conhecimentos, cite e declame esta deliciosa poesia que aqui posto em que Affonso Manta, talentoso bardo soteropolitano, se autodefine de irreverente maneira. Em 2003 o poeta Manta se foi deste mundo, mas sua poesia criativa, deliciosa e com um capitoso aroma de juventude permanece entre nós álacre, viva, muito bem viva. Leia e comprove.
Lá vai Affonso Manta
Lá vai Affonso Manta
Com estrelas na testa de rapaz,
Com uma sede enorme na garganta,
Lá vai, lá vai, lá vai Affonso Manta
Pela rua lilás.
Coroa de alumínio sobre o crânio,
Lapelas enfeitadas de gerânios
E flechas no carcás.
Manto florido de madapolão,
Bengala marchetada de latão,
Desfila o marechal,
O rei da extravagância, o sem maldade,
O campeão de originalidade,
O peregrino astral.(020314)