O homem sente a brisa fria do outono tocar seu rosto e vai despertando aos poucos de um sono pesado e longo. Com vagar seus sentidos vão se aguçando. Ouve vozes distantes. Risos adolescentes. Gritinhos femininos. Confabulações de velhos senhores. Não entende direito o que dizem. Esforça-se para enxergar de forma clara, mas suas retinas só captam vultos. Imprecisos. Inúteis. Quem são estas pessoas? Que dizem? Que fazem ali? A cabeça do homem parece girar e é forte a sensação de estar saindo de um estado letárgico, de um sono muito longo e pesado que ele sequer imagina quando começou.
Aos poucos, felizmente, as coisas vão se tornando mais nítidas. As vozes mais audíveis. Os vultos vão tomando seus contornos humanos. Então ele vê. Está em um parque. Entretanto, embora a paisagem ao redor lhe pareça familiar, tudo o mais lhe é estranho. As pessoas estão trajadas com exóticas indumentárias. Os mais jovens parecem saídos de um mundo de ficção. São diferentes até no andar, no gestual, nas atitudes.
Algumas crianças passam em grupo e aos gritos espantam os pombos que fogem alçando vôo. Vários pousam um pouco mais distante e recomeçam a comer as migalhas que encontram pelo chão. Uma das aves vem pousar sobre o chapéu do homem. Instintivamente ele tenta espantá-la com sua mão esquerda mas ela não esboça movimento algum. Tenta agora com a direita e, aterrorizado, percebe que ela tampouco atende ao seu comando. Sente-se como se estivesse num estado de cruel apoplexia. Um grito às suas costas desvia seu pensamento. Uma voz desesperada grita por ajuda e brada: “Pega ladrão!”
O homem tenta virar-se o mais rápido que pode mas não consegue. Dá-se conta que traz à cintura uma espada. Procura levar sua mão até ela na clara intenção de empunhá-la em socorro da vítima mas, se inteira, horrorizado, de que seus braços seguem desesperadamente estáticos. E seus antebraços, ombros, pescoço, pernas. Nada obedece ao seu comando. Nem mesmo o puro-sangue, que só agora percebe estar montando, tão imóvel quanto ele próprio. O homem vê aumentar seu desespero. Quer gritar seu grito mais forte. Mas de sua garganta não escapa sequer o mais débil gemido. Tal é seu horror, seu mudo desespero, que de seus olhos brotam duas lágrimas. Nelas, diluída, sua dor. Seu olhar marejado não consegue distinguir bem os dois vultos a uns poucos passos de si. Mas seus ouvidos lhe dizem que se trata de uma mulher adulta e uma menina de cinco ou seis anos. Aproximam-se enquanto conversam.
_Mãinha, quem é este homem montado neste cavalo enorme?
_É o velho Barão de Itapuã, filhinha. Um homem muito valente, que defendia o povo na luta contra nossos inimigos. Um verdadeiro herói, um patriota, tesouro da mamãe! Infelizmente hoje em dia existe pouca gente assim.
_Veja, mãinha! O homem está...está chorando!!
_Chorando?! Aonde já se viu, menina? Deve ser um resto de orvalho, querida. Você não sabe, minha doce criança? Estátuas não choram.
( 060213)
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