Afirmam as
crenças católicas que tão logo criou o mundo, Deus resolveu criar o homem para
nele habitar. E assim o fez, esculpindo-o em uma porção de barro. Fácil é
deduzir que além de fazer surgir o primeiro ser da espécie, o Onipotente criou
também a ainda inédita atividade de esculpir. Ou seja, avant la lettre, Deus foi um escultor, o que o torna assim um
ilustríssimo colega de meu nobre amigo Valtério Salles que também esculpe em
barro criativas figuras humanas e todo um mundo de coisas belas. Uma vez em uma revista de circulação nacional li uma entrevista com Millôr Fernandes. O guru do Meyer se deixou fotografar em sua própria residência e fez questão de posar em sua sala de estar ao lado de uma caricatura sua esculpida em barro. Detalhe: a peça tão apreciada pelo gênio da raça era um trabalho de Valtério. Essa incontestável habilidade de Valtério de
esculpir em barro não preencheu de todo seu vasto impulso criativo. Vai daí que ele retomou o desenho, ponto de
partida de sua caminhada artística surgido ainda na sua infância vivida em Ruy
Barbosa, no interior da Bahia. Nos anos
setentas, morando no Rio de Janeiro, tomou aulas no Senac com o cartunista
Guidacci, afamado por exercer bem o ofício. Aos pouquinhos foi se
aperfeiçoando, publicou em revistas e jornais, entre eles no emblemático O
Pasquim. Sabendo que só a prática habitual e a perseverança poderiam melhorar
seu desenho, há já um bom número de anos Valtério muniu-se de bloco de desenho
e lápis e saiu desenhando um mundaréu de gentes pelas praias e barzinhos da
Bahia. Pessoas ditas comuns e desconhecidas, o que não expressa bem a veracidade
dos fatos. Na verdade, cada uma delas é mais notável que a outra em sua forma
de ser, sendo também todas muito conhecidas por todos nos ambientes que frequentam.
Assim sendo, Valtério caricaturou ao vivo banhistas, habitués de barracas, ávidos bebedores de cervejas e destilados,
comensais de caranguejos e lambretas, vendedores de coco, picolé, queijo
coalho, meninos, jovens, adultos, provectos senhores, homens e mulheres. O
resultado disso foi que seu traço foi ganhando maturidade, ficando solto e se
tornando cada vez mais bonito e seguro, diferenciando-se das suas influências e
tornando-se mais próprio a cada trabalho feito. Então, deu-se que Valtério achou
que era chegado o momento de publicar em livro o resultado de seus périplos
praianos e o fez em um livro batizado de Criaturas.
Nele, o autor junta seus modelos populares e mostra ainda um lote de seus amigos
afamados, constando entre eles, escritor, jornalista, poeta, músico, artista
gráfico, cineasta. Todos desenhados com o mesmo carinho, eternizados pelo belo
e solto traço que Valtério conquistou nessas suas andanças pelos recantos
baianos enriquecendo ainda mais seu cabedal artístico. De quebra ele republica
hilários cartuns e caricaturas já antes publicados em jornais e revistas da imprensa brasileira. Como
alguém que gosta muito de desenhos, foi com grande prazer que folheei cada uma
das páginas de Criaturas,
deliciando-me com os desenhos valterianos que certamente farão também a delícia
de todos os leitores que amam a boa arte.
***Para
adquirir seu exemplar, contatos pelo e-mail valterio.sales@terra.com.br (Publicado originalmente em 01/08/2015)