Fico sabendo pelas gazetas e pela Dona Net que o cartunista Laerte de há muito se confessou um inveterado, contumaz e renitente adepto do uso de femininas vestes e que sendo assim e assim sendo, preconiza aos quatro ventos as delícias de ser um crossdresser, nome com o qual costumam batizar uma pessoa que adota um comportamento pouco convencional já que, sendo de um determinado sexo, sente-se bem vestindo roupas consideradas de uso reservado ao sexo oposto. Não é lá muito sensato concordar com a definição, hoje em dia isso soa como algo bem vago, ainda mais nesses tempos em que sopram ventos metrossexuais, tempos em que, por exemplo, mulheres soem usar terninhos bem ao feitio masculino e ainda assim não perdem o charme e nem podem ser chamadas de crossdresseres. Sou, como milhares de brasileiros, um fã incondicional do trabalho de Laerte, cartuns, tiras e HQs. O cara é uma fera nas ideias e no seu trabalho como um todo, na sua participação como cidadão - ou cidadã - com enorme consciência social e política e invejável destemor como qual arrosta os poderosos de plantão e gangsters políticos de todos os calibres. E seus saques sobre os assuntos que aborda são sempre definitivos. Acho uma fortuna ter podido ver originais dele quando estive no Salão de Humor de Teresina a convite de meus amigos Kenard Kruel e Albert Piauí alguns lustros se vão. Pranchas de HQ tamanhos extra large, um traço a pincel e nanquim de cair o queixo. Não conheço pessoalmente o Laerte. E isto se deve ao fato dele não ter permitido que isto acontecesse quando me dirigi a ele, também convidado do mesmo Salão. O cara não me deu espaço, negou-me um mínimo de aproximação. Tratou-me com frio desinteresse, secura inequívoca, imensa falta de polidez, com evidente irritação. Saí daquele frustrado encontro achando-o neurótico e um chato de galochas. Não é isso - muito pelo contrário - que ele mostra ser em suas entrevistas e declarações. Laerte mudou seu vestuário e mudou sua forma de ser. Suas mudanças físicas foram grandes, mas não a ponto de se considerar a hipótese do seu mau humor ter sido fruto de uma avassaladora crise de TPM. Talvez ele tão somente não estivesse num bom momento. Ou quem sabe a intuição dele tenha lhe soprado nos ouvidos que eu, sim, era um chato galochante a ser mantido a uma distância segura. Não misturo as coisas e não guardo mágoa, já me bastam neuroses outras em minh'alma. O trabalho dele, vale repetir, considero um dos melhores que já vi, tanto no traço quanto nas idéias. O mesmo se dá com outro cartunistaço, Ziraldo, que é um profissional consagrado e admirado por todos. No entanto, certo dia vi o pai do Menino Maluquinho na telinha, todo paramentado com seus habituais coletes, em uma entrevista com Leda Nagle e ele desferiu inesperadamente algumas bombas preconceituosas ao vivo e a cores contra as afrogentes desta terra de Jorge Amado, entre os quais estou incluído. E não foi no varejo, foi no atacado mesmo. Afirmou que o baiano é, por natureza, um ser falso e insidioso. Tão estupefato fiquei que fiz aqui uma postagem sobre o lance. Já Laerte, me dá prazer e enorme satisfação ouvir seu discurso claro, límpido, embasado. Nunca o vi dizer coisas tão equivocadas como disse Ziraldo, que se traja de maneira política e geriatricamente correta com seus vistosos coletes podendo desfilar em qualquer ambiente familiar sem causar espantos ou fofocas. Não serei eu a barrar o Laerte em nenhum espaço se ele aparecer envergando uma evasê rosa- choque ou qualquer outra almodovarivana cor. Isto não fere a honra e o amor próprio de nenhum grupo de pessoas ao derredor. Se o sujeito sente-se bem usando calçolas de babados, se a namorada do cara o acha sexy assim, isto é lá com ele e com ela. Entre as atitudes de Laerte e as do cartunista de colete com suas declarações deploráveis, fico com o criador dos Piratas do Tietê. Com calçola e tudo.
(18/10/13)