10 março 2021

Flavio Colin, desenhista de quadrinhos, um cara muito especial.

Um dia um anjo torto me colocou o dedo na testa e me disse: "Vai Setúbal, ser desenhista de quadrinhos na vida." Instantâneamente empolgado, pensei: "Caraca!, estou acima dos outros. Um anjo, um emissário do Onipotente, me tocou a testa e me fez um cara especial". Sim, fizera mesmo, e eu - ainda um meninote e neófito - a meio um desmedido deslumbramento, lesto e presto saí por aí empolgadíssimo, rabiscando tudo o que via a minha frente, feliz por poder fazer coisas que outros não sabiam fazer. E estas gentes vinham e me circundavam com olhos embevecidos a cada ainda incipiente traço que eu traçava para maior gáudio do meu já mui inflado ego. Até que um dia me caíram às mãos revistas com os desenhos de Flavio Colin. Meus olhos saltaram em órbita, meus joelhos tremeram, meu coração disparou um retumbante som de percussão. Que traço maravilhoso, que desenho personalíssimo, seguro! Quanta criatividade ao desenhar personagens apaixonantes, indumentárias, animais, natureza, cenários! Seus traços transmitiam aos meus olhos de leitor o clima requerido por cada cena, drama, tensão, terror, humor, mistério, expectativa, medo, pavor, erotismo, alegrias. Um sentimento difícil de se traduzir em palavras tomava conta de mim a cada nova conferida naquelas maravilhas em preto e branco, sensação que se mostrou perene ao longo de minha vida. Desde seus primeiros trabalhos Colin desenhava quadrinhos como um experimentado Mestre, autêntico, legítimo, anos luz à frente de tantos bons profissionais.
Atônito, um tanto frustrado, meio jururu, voltei ao tal anjo e lhe disse: "Pô, bró...fiquei feliz por saber desenhar, mas eu queria mesmo é que meus desenhos fossem assim, tão maravilhosos como os deste cara". Inabalável, com boa dose de enfado, olhar blasé e ares de este-cara-já-tá-querendo-demais, foi em um tom bem pouco angelical que o anjo redarguiu: "Nada posso fazer, meu caro. Mesmo entre os especiais há aqueles que são, digamos... bem mais especiais que os outros. E meu chefe vive dizendo, amizade, que Flavio Colin, é um cara muito, muito, muuuuito especial!"
(120414)