17 janeiro 2020

Lage, cartunista e caricaturista maior, tinha lá seus pecadilhos.

O cidadão soteropolitano Hélio Roberto Lage era um formidável arquiteto, merecidamente graduado e de muita competência. Poderia levar uma vida digna com essa sua edificante profissão. Ao invés disso, preferiu seguir os conselhos de algum anjo torto, desses que vivem na sombra, e foi ser cartunista na vida. Um cartunista maior. Munido de seu talento gráfico, elevada consciência política, presença de espírito, invejável sagacidade, a alma plena de um transbordante humor, lá ia Lage para a redação do jornal em que trabalhava e traçava charges impactantes, cartuns demolidores, caricaturas que desnudavam os políticos mais infames. Isto não é pouco e ele odia parar por aí, bem que poderia. Mas quem disse que ele parava? Pois é chegada a hora da verdade e a verdade tem que ser dita: Lage não conduzia a profissão que exercia com a devida seriedade e sempre foi um cartunista metido a engraçadinho. Ao invés de se portar de forma séria, como sói acontecer aos profissionais que têm consciência do dever de ofício, tinha ele o reprochável hábito de viver fazendo piadinhas em seu ambiente de trabalho e mesmo fora dele. E ainda as desenhava, como agravante. É abalado e até profundamente traumatizado que aqui deponho que, de forma recorrente e impiedosa, fui habitual vítima dessas suas gracinhas sem graça das quais todos achavam a maior graça, menos eu, a inerme vítima desses motejos gráficos. Desde 1981, ano em que muitos dos leitores desse bloguito sequer haviam nascido, guardo comigo, cheio de mágoa e ressentimento, essa caricatura que ora posto, da lavra de um sujeito que se dizia meu amigo mas que retratava-me de maneira injustificavelmente sórdida, impiedosamente abjeta. Desconfio que ele era movido pela mais infame das invejas, pois sabendo-me um cara de físico apolíneo, um Adônis, um invariável escopo da concupiscência feminina, Lage traçou de mim esta caricatura em que ele subverte tudo, colocando meu avantajado peito de remador no lugar da minha barriga tanquinho, delineada em incansáveis e espartanas malhações. Mas Zeus é grande, Zeus é pai e sempre sou atendido quando rogo aos deuses do Olimpo cartunístico que eles, lá do seu sacrossanto empíreo, enviem-me forças para seguir em frente e suportar tantos e tão desmesurados infortúnios movidos pela mais abjetas zelotipias e as mais hediondas invídias.
(140712)